terça-feira, 28 de maio de 2019
Os Lusíadas
Há uma urgência em publicar num país onde não se lê que me deixa abismada.
E há uma urgência em mostrar pintura, num país que não sabe ver que me deixa atónita.
Para publicar temos, em bom português, que nos "fazer ao bife", frequentar salões e dizer "tchim, tchim".
Para mostrar pintura, temos que rastejar, pedir por favor, enviar não sei quantos portfólios que nunca fazem justiça ao original e, no fim, levar sempre um rotundo "não" seja qual for a razão evocada.
Na verdade, o inferno são os outros. Quando escrevo não estou a fazer favor a ninguém, não me estou a "fazer ao bife", nem a mostrar uma simpatia que não me apetece ter quando escrevo.
Quando pinto, estou em paz, e se me ajoelho é por outras razões, não para implorar a atenção de simples humanos...
O "depois", sinceramente, já deixou de ser comigo há muito tempo. O "depois" fica com o inferno que os "outros" sabem ser e deve ser a única coisa em que dou razão a Sartre. No meu caso, deixei de me preocupar com o meu próprio inferno, visito-o quando tenho saudades do seu calor, saio dele a sorrir para a luz do dia onde há só anjos à minha espera e que são absolutamente invisíveis aos outros que estão sempre no "inferno" e de lá poucos e por pouco tempo saem no que respeita a mim. De maneira que quando me trazem fórmulas dantescas, prefiro Camões. É mais português e é outra coisa. Completamente desconhecido da Tradição Católica que é Italiana e não portuguesa. Além disso, em Camões, não há fórmula que o espartilhe porque volta e meia, caía no chão, morto de amor e o amor não têm fórmulas. Tem doidos. Desde o cupido aleatório às suas vítimas. Tentou visualizar-se no teatro escrito por Camões uma espécie de "arquétipos" sobre o amor que poderiam, de alguma forma, pairar na sua poesia lírica. Talvez possa haver alguns pontos de contacto mas, na verdade, quando nos Lusíadas os portugueses chegam à ilha dos amores, aquilo é selvagem. Aquilo é apaixonante, aquela caça, aquele Leonardo extravagante. E o poema longo, a epopeia que o grande poeta escreveu mantém-se aberto, de par em par, para quem nele se queira aventurar. Dante, é um tremendo problema de consciência, dele e dos outros e acaba beato, submisso à Igreja, por medo, claro. Camões, é livre, e quando os marinheiros regressam, regressam porque querem e não regressam para os braços da Igreja, regressam à sua gente, com histórias para contar. Dante é apenas um momento, um breve momento, na viagem lusitana. A diferença reside em saber que, por vezes, o inferno são mesmo os outros e que não está dentro de nós mas na imaginação daqueles que são o próprio inferno e que só sabem ver o inferno em nós e é por isso que os Lusíadas acabam com a palavra inveja, explicada por António Telmo como sendo uma espécie de cegueira. Uma cegueira que não lê, nem vê.
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