sexta-feira, 10 de maio de 2019
A raíz e a águia
Hoje fiquei a saber que há orgias no Japão feitas com... robôs. Também fiquei a saber dos vídeos colocados no YouTube das festas no Porto com jovens triunfantes, drogados e despidos porque sim. Também sei que as nossas escolas estão cheias de droga. Que na Índia ainda se mata: foi o caso de dois jovens apaixonados que se casaram e foram mortos porque não podiam casar por serem de castas diferentes. Também sei que as escolas públicas em Inglaterra estão cheias de delinquentes e que as prisões estão cheias de jovens em idade escolar. Umas coisas já sabia, outras fiquei a saber. Há coisas que de nada serve saber delas. Fica-se a saber, fica-se triste e fica-se impotente. O que se pode fazer é a "especialização". Ok! Vou especializar-me em dar ajuda psicológica (que bem precisam) a esta ou aquela faceta da sociedade altamente problemática. Há especialistas em tudo. Gente que vai lutando em todas as frentes. O mundo não está melhor por isso. Antes pelo contrário. A queda acentua-se. Os problemas psicológicos sérios que afectam a humanidade não são algo que possa ser resolvido com um psicólogo para cada pessoa. Metade da humanidade louca a outra metade e tentar curar a loucura. Nada é resolvido com percentagens ou rácios de terapeutas para os abalados psicologicamente. A maioria das populações estão abaladas psicologicamente. Não há psiquiatras que cheguem. De maneira que a miséria e o tratamento que se tem dado a ela estendeu-se ao domínio psicológico. Se uns caridosos conseguiam com esforço compensar alguma miséria nunca foram suficientes para acabar com ela. O mesmo se passa com a miséria psicológica. Nunca serão suficientes e será tendencialmente maior. As razões são antropológicas. A antropologia convida sempre ir à raíz das coisas. A raíz está muito distante e é muito profunda. Cortar o mal pela raiz implica demasiadas coisas. Mais do que aquelas que conseguimos como simples humanos suportar. O nosso "lugar previligiado" como humanos é também limitado. É as duas coisas em simultâneo. Sabemos que, por exemplo, os nossos jovens têm hoje muito mais conforto e mais acesso a informação e a cultura do que alguma vez os mesmos jovens dos anos anteriores ao 25 de Abril tiveram. Uma grande conquista para se poderem drogar e beber à vontade e chegarem a não lerem um único livro ou a escrever um texto com nexo. De maneira que a raíz é mesmo antropológica. Platão quis resolver o problema limitando o número de habitantes da "cidade ideal". Eu não faço a mínima ideia de como resolver isto, de maneira que me limito a ajudar os que me estão próximos. Apenas isso. São meia dúzia. Não me obrigam a "especialização" nenhuma em grupos problemáticos e a ficar a pensar que, com essa especialização contribuí para um mundo um pouco melhor. Nem faço sequer ideia se contribuo para um "mundo melhor". Deixei de me preocupar com a salvação do mundo. Deixei de me preocupar em salvar o que seja. Não sou assim tão importante nem uma especialização me levaria a ter essa sensação. Não "salvo" nada. Nem a mim própria. Simplesmente olho pelos que me estão mais próximos. Cada pedaço de jardim é um jardim. E cada jardim não é nosso em propriedade. É um pedaço que está para ali e pelo qual se olha. Alguns conseguem ir um pouco mais longe: têm um pedaço de jardim pelo qual olham e, "para o qual olham". Este "para o qual olham" é a raíz distante. Ver "através de" qualquer coisa não é o mesmo que ver de frente. Para isso é preciso ser águia. Só ela vê o sol de frente. A raíz está distante. Esse é o verdadeiro problema. O restantes são consequências. Guardo a velha esperança de um dia poder "olhar para o jardim" e assim estar na e com a raíz das coisas. Aí sim, talvez se possa fazer qualquer coisa. Antes disso apenas se ajuda um pouco. Às vezes ajudamos a piorar, outras a melhorar porque a sabedoria é algo de muito difícil. Não vale a pena tentar enganarmo-nos quanto a isso. Quanto ao resto, aquilo que entendemos, por momentos, ser uma ajuda, podemos tentar não nos enganar. Mas nada nos garante que não nos enganamos. É difícil. A águia lá saberá. Só ela vê e, talvez um dia, pouse dentro de nós, abra as suas asas e voe, tudo em uníssono.
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