terça-feira, 14 de maio de 2019

Em nenhures


Há pessoas que andam sempre à caça do mistério e, frequentemente, para esse mistério ser considerado mistério tem de vir agarrado ou a um acaso ou a um fenómeno qualquer que não se possa explicar "racionalmente". Isso é considerado um mistério. Também caçam "lições" como se fossem a útlima palavra, a última tendência e ainda a última moda. Normalmente esquecem isso tudo no dia a seguir porque há sempre mais um mistério à espera delas. São pessoas ligadas ao relógio e que tendem a "querer" ser criativas sem o serem de facto ou antes, sem ainda o serem, de facto. Há pessoas que coleccionam recortes de jornais, ou factos insólitos, ou notícias que se relacionem todas com o mesmo tema. Os caçadores de mistérios fazem o mesmo. Sentem-se especiais sempre que um mistério "vai ter com eles". As lições também são "para eles" e é assim que a ideia (que não é uma ideia mas um facto) da Unidade lhes passa ao lado. A Unidade, para o ser, está absolutamente longe de nós, distante de nós, nem sequer quer nada connosco, na verdade. Ela só é encontrada na absoluta independência, dela e nossa e não nas "aprendizagens" sucessivas que se vão anulando umas às outras. A verdade não é um conjunto de factos, tem outro sabor. O mais estranho na iniciação é nem ela querer nada connosco nem nós com ela. E é exactamente por isso que, René Guénon, nos fala da ausência de sistemas e da existência da exclusividade iniciática para cada ser. Quando a "iniciação" aparece muito "incorporada", muito "musculada" como agora se gosta muito de dizer (complexo de ginásio, deve ser), mais suspeito que não o seja. No limite as reuniões de coleccionadores são uma coisa estranha com diálogos deste género:

- Eu tenho este cromo, e tu? Mostra os teus.

E todos mostram os cromos alegremente e dizem que se "ajudam". Ainda estou para perceber como. São todos de colecções diferentes mas vêem todos a mesma colecção quando estão em grupo. É uma espécie de alucinação colectiva. Diz que se "ajudam" muito. Diz que sim. Quando não se "ajudam" guerreiam-se e então dizem que são "polémicas". Isso dá-se quando têm um vislumbre de que estão em colecções diferentes. Depois esquecem-se outra vez e tudo recomeça. Andam para ali nas "ajudas" e nas "guerras". Quem está de fora só vê colecções diferentes e vê que nem se ajudam nem se guerreiam. Andam para ali duma confusão para uma certeza e doutra certa para outra confusão.
Eu tenho um cromo muito giro! Alguém tem igual? Ou para a troca, ou assim? Alguém está a ouvir o que estou a dizer? Às vezes é só isso: alguém está a ouvir o que estou a dizer? Nessas alturas, em que ninguém ouve é que se percebe o quão distante está a "Unidade", e aí sim, achou-se alguma coisa: a colecção diferente no meio de nenhures.

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