terça-feira, 7 de maio de 2019
... a paz...
Belas, certas e sábias são as flores. Se houvesse religião mais certa e profunda seria a das flores. Não há nada mais abstracto do que uma flor. Nada que se eleve tão bem como elas, ao alcance do sol e dos pássaros, do som, da música, das palavras e dos dons, das estrelas e do coração, da metamorfose e do nascimento, da escolha e do destino, da vontade e da aceitação, das alturas e das profundidades, das histórias e das canções, dos seres e dos não seres... Por isso me cansei de guerras, o espinho de uma rosa deveria ser a única guerra admissível, a única coisa que nos lembraria da dor e da falta de atenção. Que me interessam as terras santas quando há jardins? Ou a moral dos patriarcados quando a rosa se aproxima de mim? Ou sequer as virtudes dos grandes homens se não sabem pegar numa rosa?
Há tantos guerreiros por aí que guerrearam durante toda a vida por coisa nenhuma e que, no final dessa vida e dessa guerra por coisa nenhuma, vem um dia em que olham o jardim e percebem que estiveram na guerra errada. E que a guerra é outra, a da conquista pelo encanto, pelo espanto perdido, pela beleza até aí adormecida, pelas palavras caladas, pelas cores vibrantes da alma, pelas chamas que se acedem em pirilampos súbitos. Das coisas mais lindas que me aconteceram foi um caminho nocturno pelo jardim, escuro como breu e a luz de tantos pirilampos que me rodeavam fez-me sentir que caminhava pelo cosmos. Quero lá saber de religiões. As religiões são para os homens sem poesia e sem olhos na cara e sem ouvidos para a música, para os que não sabem que tudo à nossa volta vibra e é o céu. Para os que não sabem dizer: penso, logo existe. São para os que nunca descobriram nenhum jardim e dizem "paz" recorrentemente como se fossem travestis da guerra. No jardim nunca se diz paz. Diz-se guerra frequentemente mas só porque se está em paz com a poesia e já se pode dizer essa palavra sem que ela tenha o mesmo valor da paz. O mal dos homens que dizem paz é darem a essa ideia exactamente o mesmo valor da guerra, como contraponto. Isso acontece porque nem conhecem a paz, nem estão em paz. As crianças brincam às guerras no jardim porque estão em paz, os adultos brincam à paz nos desertos porque estão em guerra.
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