Aos “espirituais”, quando lhes dá para a “sociedade”, ficam
parecidos com aquela parte pior da nobreza inglesa, com uma espécie de snobismo
injustificado: “Fulano de tal vai estar
na ‘recepção’? Não? Ah, largou completamente a Vida e dá longos passeios na sua
propriedade, de certeza, a falar de ovelhas...” e prosseguem, com aquele nariz
arrebitado e gestos herdados dos dandys porque têm de ir buscar alguma
imaginação a algum lado.
Já ouvi coisas semelhantes por parte dos “espirituais
sociais”: “Então e fulano de tal? Ninguém sabe dele? Pois, está numa
prateleira”. Essa prateleira é constituída por aquilo que depois chegam a
chamar de “egoísmo” ou “falta de generosidade”, de “isolamento” voluntário ou
não, de “desistência” mas,
fundamentalmente, a prateleira é “ficar fora”, “não ir”, “não se mostrar”.
Ainda me hão-de explicar qual é o minímo aceitável de pessoas a quem temos de
nos “mostrar” para estar dentro, mas, provavelmente tem um número limitado por
“grupo” porque para que nos “mostremos” convém estar num qualquer “grupo”,
convinientemente escudados não vão as coisas “dar para o torto”, coisa que em
Portugal dão sempre devido à fórmula judaica: “Onde há dois judeus, há três
opiniões” algo que funciona na perfeição
para o caso português só que elevada à potência de 'grupos': “Onde há dois ‘grupos’, há, pelo menos e
muito modestamente, três ‘grupos’». Ora,
esta fórmula aplicada à capacidade de desavenças e de má língua (em Portugal
ninguém escreve textos públicos como este porque fica logo proescrito), faz com
que ecludam, frequentemente, várias explosões, feitas por pequenos grupos de guerrilheiros
que, por uma razão ou por outra, entram em desacordo com qualquer coisa.
Nisso, o nosso “ambiente espiritual” é muito semelhante ao da América Latina...
Os da “prateleira” parecem estar condenados a não escrever,
a não estudar, a não criar segundo os “espirituais sociais” uma vez que não
atingem “os mínimos” de público necessários para serem considerados
“espirituais”. No entanto, podemos
acrescentar que, do mesmo modo que aos da “prateleira” lhes passa ao lado os
“eventos”, quaisquer que sejam, lançamentos, publicações, exposições, também o
inverso se dá. Os da "sociedade” que é sempre “inocente”, “generosa”, “boa”, “compreensiva”,
“contemplativa”, quando não estão a guerrear o próximo, actividade que lhes
ocupa praticamente todo o tempo porque o cerco que fazem uns aos outros é tão
apertado que só para o “furar” são necessárias não sei quantas “jogadas” (para
eles a vida é um jogo no cabaré da coxa) para, enfim, mostrarem uma qualquer
“criação”, quantas vezes executada mais para “atirar” à cara de algum alvo
específico do que propriamente e exclusivamente para um público que sabe sempre da missa a metade. Na verdade, todos eles, os “espirituais”, sabem sempre da missa
a metade porque estão sempre preocupados com um detalhe ou outro mas quando
escrevem pensam que dão a missa toda... de maneira que se vê, nitidamente, por estas
metades, que têm o público que merecem, de quem abusam e do qual vivem. Mas não
tem importância nenhuma porque esse público, uma parte dispersa-se pelo caminho
ao longo dos anos (a maioria), outra parte, torna-se em “social espiritual” e
outra, uma percentagem muito reduzida, para não dizer reduzidíssima, vai para a
prateleira. Seja lá o que isso for. Porque da prateleira ninguém sabe dizer
concretamente nada, apenas podem formular “opiniões” e já se viu o que é que se
passa com as “opiniões”: provocam guerrilheiros, que provocam guerrilhas que
provocam guerras. Uma autêntica espiritualidade activa para ver quem é que
chega mais depressa ao “fim da via”, qualquer que esta seja... uns, já agora,
dizem que têm uma “via” comum, outros dizem que cada ser tem uma “via”, factos
que por si só não dizem nada, nem resolvem o problema das prateleiras. Ainda
bem que estão cheias de livros... ao menos distraímo-nos com eles. E são mais
sossegados. Alguns livros são. Outros, bem, outros... não nos deixam estar em
paz na prateleira. Um desassossego. Ainda bem que os “espirituais sociais” são
tranquilos e desasossegados. Valha-nos isso! Que seria de nós na nossa
prateleira?
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