segunda-feira, 13 de maio de 2019
As raízes arrancadas
Ia a caminho e vi a flor no campo dizimado por escavadoras. Ia comprar um espelho para me ver ao espelho. Em vez disso reparei nessa flor única aparecida nas ruínas das raízes arrancadas das árvores. Já tinha notado que as flores vieram fortes esta Primavera e esta flor da fotografia ainda veio mais forte. Persistente e grande. Esqueci-me do espelho porque voltei para trás para a fotografar. Depois retomei o caminho para comprar o espelho. Também comprei umas calças amarelas. Não sei se por influência da flor. Que gestos tão improváveis logo de manhã. Os obsoletos dizem que isto não é trabalho. Reparar numa flor amarela, ir comprar um espelho e levar comigo umas calças amarelas. Eles são máquinas que só gostam de reuniões onde decidem coisas como se fossem deuses. Nunca chegam a ser deuses nem a reparar nas flores por causa dos horários que lhes disseram para cumprir. Admiro quem pára a meio do trabalho para reparar nestas coisas como as flores, o caminho e os símbolos até porque quem o faz não está a trabalhar. Paira e pára para ver tudo em volta como esta flor que aconteceu por teimosia. O mundo novo acontece assim, por teimosia. O trabalho é para aqueles que não são teimosos, os que não fazem frente às obrigações que criaram para se sentirem grandes. O seu espaço corporal é o mesmo do deserto de raízes arrancadas das árvores. São das fábricas, das reuniões de trabalho, dos horários e das traições. Traem a sua natureza infinita que julgam compensar aos fins de semana quando descontraem em família que ostentam como troféus bem alimentados pelo suor do seu trabalho. O mesmo suor que foi o castigo de terem saído do paraíso e as mesmas dores de parto ostentadas com a mesma origem. Depois julgam-se deuses e maiores porque trabalham. Achincalham quem não trabalha e vai ver as flores. Depois compram um livro de poesia e dizem a todas as pessoas que que conhecem os poetas e as flores do poema. Até trabalham ao fim de semana para dizer que conhecem o poeta e as flores do poema. Se o tivessem conhecido achincalhavam-no facilmente e enxotá-lo-iam como um ser menor. São os literais da palavra bíblica e dizem-se ser católicos e superiores aos herdeiros de Lutero. São iguais. Não hesitam em desfazer todas as flores em reuniões de trabalho e, aos fins de semana, para a família, para os conhecidos e para a fotografia são ecologistas e têm uma grande admiração por poetas, pela sua sensibilidade. Durante a semana são umas bestas de carga, de abuso e de raiva. Mas Domingo é o dia do Senhor. Só esse dia. A flor que vi nasceu na Segunda-feira. Ontem não estava lá. Nasceu no dia do Sol. Podia ter nascido noutro dia qualquer mas nasceu no primeiro dia de trabalho a seguir ao fim de semana quando os que querem ser deuses pelo trabalho adquirem a santidade fotogénica.
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