segunda-feira, 27 de maio de 2019

A geração Erasmos

https://tvi24.iol.pt/videos/opiniao/nao-percebo-como-e-que-a-geracao-erasmus-fica-em-casa/5cead5150cf28b07e0c1fd13


Miguel:

Perdoa-me tratar-te por tu, não é desrespeito, é porque li livros teus e gostei tanto deles que já me sinto à vontade para o fazer. Sei que é um escândalo intelectual dizer que gosto do modo como escreves mas, sinceramente, estou-me nas tintas. Gostei do "Equador", adorei o "Não te deixarei morrer, David Crockett", gostei do nostálgico "No teu deserto: quase romance", gostei do "Sul,viagens", do "Não se encontra o que se procura" e deste último, "Cebola crua com sal e broa", com uma memória prodigiosa de tempos conturbados em Portugal.
Agora dei contigo espantado pelo facto da geração Erasmos não ir votar  - esta geração de estudantes universitários é "melhor" do que a minha que foi apelidada de "geração rasca" -embora eu e muitos  outros nunca tenhamos participado no protesto que ficou conhecido por terem, os jovens, alguns da minha turma, aliás,  mostrado o rabo aos ministros por não estarem de acordo com as propinas -  mas esta não é rasca, é Erasmus, é outra coisa, herdeiros do viajante... e de facto, Miguel, a única coisa que querem, realmente, com este programa, é sair do país e de casa dos pais por uns tempos.
Não estranhes, por favor, o que te vou dizer, mas esta geração não foi habituada a pensar. No meu tempo, quando havia congressos ou conferencistas nas universidades, os auditórios enchiam-se. Havia até congressos pagos para os quais tínhamos que nos apressar se queríamos arranjar bilhete. Infelizmente, segundo informações recolhidas, esse tipo de actividades académicas fica, hoje em dia, mais ou menos às moscas. Outra informação que obtive é que esses jovens "não se conseguem concentrar" na sua generalidade. Uma outra diz respeito às drogas que são muitas e invadem todos os espaços de ensino o que me parece não fazer muito bem ao cérebro, sobretudo, se for uma rotina. Também sei que a maioria escolhe os cursos, não por vocação mas sim por "possíveis saídas", pelos "eventuais empregos" que possam dar. É uma geração muito "preocupada" com o ambiente, não porque pense, mas porque foi bombardeada na infância e no liceu por "actividades" em prol do ambiente (se isso der alguns frutos, já não é mau de todo e não há-de ser, estou certa, pela acção desse partido sinistro chamado PAN), mas, de resto, e ao contrário do que afirmou no Governo Sombra, João Miguel Tavares, não é uma geração "madura" e preparada para votar. Ou antes, é madura pela proximidade do "podre" mas só isso. É uma geração criada pela NET (a anterior era a geração MTV), pelas redes sociais, pelo desemprego (a minha já era, não é de agora), pela ausência de leituras, por "Bolonha" que tornou os cursos fast-food, enfim, uma geração coxa, cujo único associativismo que conheceu foi o dos clubes de futebol, as associações de estudantes, os escuteiros e as associações ligadas às paróquias e, é claro, as "praxes" sanguinárias e os "comas" das fitas onde bebem até cair para o lado. Se lhes dão a oportunidade de saírem do país por algum tempo, então, "bora, vamos lá", de maneira que entendo perfeitamente que votes e que gostasses que houvesse mais participação nas eleições, mas há um facto qualitativo que estraga esta democracia que já é estragada, esse facto chama-se "cansaço" ou "desalento". A maioria dos portugueses está cansada, falo dos adultos, e a maioria dos jovens já nasceu cansada... Os jovens, se lhes falam da causa ambiental, levantam logo o dedo a favor porque foram educados para serem sensíveis a isso, mas se se falar doutro outro assunto qualquer que não seja ou esse ou futebol, lá se vai a sensibilidade toda e já é muito difícil "desenvolverem", porque foram educados numa sociedade, cada vez mais, de dia para dia, imbecil. Entendo perfeitamente o esforço que foi feito para que houvesse Democracia em Portugal depois do Salazar mas, sinceramente, sem "Espírito" de nada valem as boas intenções, e o Espírito só se encontra por uma espécie de "holismo" cultural e para isso é necessário ir às fontes antigas, beber daí e só depois "inovar", se for caso disso... de maneira que, do Erasmus, restou o "então, bora lá" e pouco mais. Não se vota porque cada um vive no seu planeta e porque as democracias doentes não servem para nada. Não votam porque estão tontos (quaisquer que sejam as razões dessa tontice: álcool, drogas ou ignorância) e porque não há democracia nenhuma ao contrário daquilo que nos dizem todos os dias... O que há, já o disse anteriormente: uma ditadura camuflada de uma oligarquia de vigaristas eleitos por meia dúzia de cegos que estão convencidos que vivem numa democracia.
Assim, olha, embora não concordando contigo nessa coisa do "voto", continuarei a ler com todo o gosto os teus livros.

Atenciosamente,

Cynthia Guimarães Taveira

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