domingo, 30 de junho de 2019
Os mamarrachos e as pessoas
Esta história do prédio Coutinho fez-me lembrar "a parte e o todo". Dizem os "espiritualistas" que cada um é parte do todo. Isto é uma verdade quase ao nível de La Palice. O Estado autorizou a construção do mamarracho. O mamarracho foi construído e as pessoas foram para lá. O Estado desautorizou a existência do mamarracho e as pessoas são obrigadas a sair de lá. O que os resistentes estão a tentar dizer por gestos foi aquilo que Fernando Pessoa disse por palavras: "nós não somos o Estado". O Estado põe e dispõe porque tem a tutela do "contexto". As pessoas estão inseridas no "contexto". As pessoas não gostam disso. A aplicação do princípio "espiritual" feita indiscriminadamente sem atender às diferenças dos "participantes" no "todo", gera situações destas, bizarras. Os espanhóis quando entenderam ser o "contexto" também invadiram Portugal e fizeram o cerco a Lisboa. Esta história faz-me, aliás, lembrar uma outra, muito "espiritual" que por detrás tinha apenas interesses. Há muitas histórias destas, entre mamarrachos, instituições e pessoas.
A Mensagem do Unicórnio
Hoje ofereci a "Mensagem" de Fernando Pessoa a uma menina que fazia 11 anos, e um outro livro para a idade dela. Disse-lhe que podia começar já a ler o de Fernando Pessoa que não lhe fazia mal e que mais tarde o iria compreender todo. Como ela gosta de ler sinto que lancei uma espécie de berço de verga à sorte no Nilo ou que lancei uma arca cheia de escritos para os "futuros leitores" de quem Pessoa dizia ter saudades. Há gestos primordiais que se podem reproduzir numa escala mais pequena. Dar a "Mensagem" a uma criança que gosta de ler, é um deles.
Recebi, também hoje, uma chamada telefónica de uma amiga que já não vejo há uns bons três anos. Sabendo ela do meu percurso mais-do-que-acidentado pelo mundo das artes plásticas, dos escritos no Facebook e das palestras e sabendo do facto de isso ter acabado muito mal, com o meu afastamento, metade instigado por invejosos e/ou inconscientes e a outra metade por iniciativa própria, perguntou-me ela só para confirmar: "Não te interessa nada o protagonismo, pois não?" Respondi-lhe que não e de mim para mim respondi: "prefiro ter amigos". Em certos meios ou se escolhe uma coisa ou se escolhe outra sobretudo quando se é rebelde e se sofre de insuficiência crónica de contexto de liberdade.
Este foi o meu dia a par com um churrasco de entremeada, salsichas frescas e de um bolo de aniversário altíssimo todo coberto de massapão branca como a neve e um unicórnio no topo porque esse animal está na moda entre as meninas dessa idade. Mal sabem elas das tapeçarias iniciáticas onde aparece esse animal mitológico.
Sim, diria que foi um dia puro, sem grandes voos e sem grandes complicações. Mentira. A "Mensagem" de Pessoa é tão complicada que ainda hoje se presta a diversas interpretações e as tapeçarias idem. Foi um dia puro e complicado, como tudo o vale a pena quando a alma mergulha num qualquer mitema (mitema é uma palavra inventada a partir da palavra "mito", muito utilizada por Gilbert Durand, autor francês que estudou alguns mitemas portugueses). Entre queixas, desgostos, lágrimas, o churrasco, a alegria, a celebração e símbolos que ninguém conhece porque ninguém os explicou a quem não os sabe - e quem não os sabe também não mostra interesse em saber, situação recíproca e recorrente - lá se passou o dia, com o carro meio entupido devido ao gasóleo mais barato e de má qualidade que estraga o escape. A vida é feita de alguns pormenores um pouco idiotas e de outros que, seguindo um determinado percurso, só mais tarde fazem sentido.
sábado, 29 de junho de 2019
A secura
Enchem o mundo de caveiras e de secura. Nem se zangam com o mal. Parece que o mostram de propósito. "Olhem, as caveiras e a secura". Noto-lhes um certo prazer nisso. "Um certo" é aquilo que se nota mas provavelmente têm muito prazer nisso. Os realistas são fotogénicos. Aparecem em auto-retratos tirados com uma câmara nítida. Gostam de ângulos e de sombras. Não me chegam a assustar, causam-me repulsa. É uma coisa de pele. Como a voz grave das mulheres vividas e muito sérias, pesadas, que vêem o realismo por toda a parte. As causas por todo o lado. As injustiças mais graves como alicerces da sua voz. É o mesmo timbre, numas e noutros. Um realismo negro, lamacento, trágico, ossificado, exposto. Exposto com gosto. Exposto como um desgosto que se alimenta todos os dias de tal modo que as palavras se toldam, e outras nunca aparecem no que dizem. A luz, a cor, a alegria, a vida, o amor, a exaltação, a curiosidade, a vibração, a serenidade, palavras assim nunca aparecem. Nunca são ditas. São as palavras proibidas da sua alma escura. Realista. Neo-realista e realista de novo. Tantas vezes quantas vezes quantas tiverem de ser. Numa insistência mórbida de que a realidade é assim. Mas é assim de uma forma absoluta. Dramática. Para sempre injusta, e nunca redimida porque isso seria o fim das causas e da sua própria existência. Na minha terra não é assim. O sofrimento existe mas os gestos levantam-se, a luz aparece, a serenidade é a realidade. A serenidade propaga-se. É uma vibração momentânea que faz sucumbir todas as injustiças, todas amarguras. Há uma alegria qualquer que se adivinha no centro e que traz paz. Os extremo-realistas, como lhes chamo, chegam a ser crúeis. Não penso que sejam lúcidos porque neles não há luz. Só causas. Os lúcidos descontraem-se. Os extremo-realistas pensam-se justos. Tem essa imagem de si como se fossem os sustentáculos do mundo. O escárnio, o desprezo, a violência, a falta de escrúpulos com que expõem aquilo que é injusto tornam-nos a sombra da própria justiça. São uma sombra da justiça, a sombra da asa de uma águia. São assustadores. Geram à sua volta o sentimento de dever, nunca de liberdade. Sacrificam tudo à sua volta. Esquecem-se de devolver a alma aos seus discípulos quando já não precisam dela. São realistas demais para acreditar nela sequer. Só acreditam nos golpes. Nas revoluções, nas mutações rápidas. Atiram-se todos os dias para a via breve sem perceber que secam tudo. E não o fazem virtualmente. Fazem-no na vida real. São tristes e amargos. Não conhecem a alegria. Nunca a conheceram ou se a conheceram, esqueceram-na como uma fraude da alma que é sempre fraudulenta. Cheiram e soam a amargo. Dão gargalhadas sonoras mas vazias. Nada vive dentro deles porque a justiça que julgam ser os aniquilou por dentro. Talvez, de algum modo, tivessem reclamado esse realismo para si mesmos e tivessem sucumbido por dentro. Porque o seu realismo não é a realidade. É uma parte dela apenas, que os invade, os desmonta, peça por peça, até renascerem como bonecos articulados, soldados justiceiros que julgam escrever eles mesmos o destino. Nascem como se fossem Deus, e como se soubessem exactamente o que é Deus. Mas esse realismo é suspeito. Faz arrepiar a pele para quem tem uma alma viva por debaixo dela. Sente-se essa gruta negra. Sem luz. E, no entanto, parecem as pessoas mais justas do mundo. Mais indignadas do mundo. Mas há nelas, um certo prazer na exposição das injustiças. Um certo sadismo. Uma certa sede de poder. Há qualquer coisa de profundamente errado nos extremo-realistas. Talvez não criem, não sonhem. Talvez não sonhem. Não sonham porque o sonho é da alma. Nunca se recompõem. Renascem simplesmente como aliens depositados dentro de humanos. Calam-se por instantes e aparecem subitamente. Com a mesma força. Com a mesma indignação. Com o mesmo ataque. O que está profundamente errado nos extremo-realistas é a repetição. É anti-natura. Não são naturais.
sexta-feira, 28 de junho de 2019
Já não...
Já não encontro personalidades com personalidade. O que encontro são personalidades com um caderno de encargos que estão sempre em dívida para com as ideias, deles mesmos ou de outros. As personalidades com personalidade nada deviam, em cada gesto ficava saldada a distância de si para si. A máscara escondia e revelava o ser. Hoje, a máscara esconde a ideia de se ser ou uma vaga ideia do ser.
O caminho deles
Almada Negreiros descobriu-se Pitagórico, Fernando Pessoa descobriu-se, com assombro, Templário. O processo criativo deles foi do mar à fonte. Pelo caminho foram deixando beleza, a beleza da beleza e beleza do pensamento.
Horizonte
Aparentemente são as crianças e os próximos que entendem os pólos. Os próximos porque conhecem o eixo, as crianças porque são livres. Entre estar nos eixos e estar fora deles estão os pólos. A falta de ambição seca os sorrisos porque confundem a ambição com a conquista interior. Os próximos e as crianças sorriem sempre. Os próximos porque embarcam na mesma aventura, as crianças porque se vestem de capitães e vão na proa do barco. Os ambiciosos nada percebem das conquistas porque nada percebem da liberdade. A maior conquista é um livro essencial cair no nosso colo. Não é procurá-lo, não é desejá-lo. É alguém ir a passar e colocar literalmente um livro essencial no nosso colo, sem que tenha sido pedido. Nessa altura o interior é igual ao exterior. A maior conquista é essa simultaneidade, onde todos os pólos se anulam e nasce a ordem sem o mínimo de ordem aparente e com toda a ordem interna presente. A maior conquista é conquistarmo-nos. A ambição é uma vendida, passiva, aparentemente activa. É tudo o que a conquista não é e é o inverso dela.
A Passagem
A linha que vai do clássico ao moderno, por ser continua e não descontínua, é de difícil execução. No bailado moderno são frequentemente visíveis gestos desconexos, angulosos e despropositados como se os bailarinos fossem comandados por um mecanismo que se avariou. É dificílima essa passagem na arte do gesto que foi a primeira forma de arte. A continuação da elegância e do equilíbrio numa forma de expressão inovadora obriga a uma passagem subtil, sem cortes demasiado visíveis mas onde se vislumbra todo o perfume do passado invadindo o futuro. São raros os artistas que conseguem fazer essa passagem. Vi poucos. Na literatura, os vanguardistas que descobriram a Tradição foram obrigados a verificar que essa passagem é possível. Uma espécie de Yin e Yang com as pintinhas a cores complementares que significam a geração num movimento pendular. Penso e volto a pensar nessa passagem da Idade do Ferro para a Idade do Ouro e para o facto de ela se dar subitamente e ainda no esquema visual da espiral colocada a duas dimensões no qual o centro da circunferência é a tangente do círculo seguinte. Só tocando no âmago do centro se alcança o ciclo que se segue. Procurar o centro é, portanto, procurar o perímetro da Idade do Ouro numa perspectiva bidimensional que é aquela que mais se aproxima do rito porque é a síntese terrestre das quatro dimensões. Os desenhos das crianças sem perspectiva (a terceira dimensão), originam a proximidade imediata do figurado com o observador. A figura não está projectada no espaço porque toda ela é um ponto sem a terceira dimensão, a profundidade e, sendo um ponto, eclode como coisa que É, ou seja, como força central. Daí a força de alguns ícones. Essa noção de centro nos ícones é de tal modo importante que a última coisa a ser pintada são os olhos. Se os olhos falham, falha toda a pintura. E os olhos, no ícone, são o centro. Essas figuras bidimensionais são a síntese das quatro dimensões porque o centro que evocam não só é profundo, como um olhar pode ser, como evocam a quarta dimensão, a invisível como sugestão acrescida da do centro ou como seu desenvolvimento natural. Tal e qual um ritual se for bem elaborado. Na Última Ceia de Leonardo as figuras surgem quase plasmadas numa encenação a quase duas dimensões ficando a terceira, a perspectiva dos painéis atrás num plano secundário. Se retirarmos todo o fundo dessa pintura e ficarmos só com as personagens em nada se perde a sua força. Não é, portanto, a noção de perspectiva que dá força e ritmo às personagens. São elas mesmas, como que constituídas de pontos centrais que são o próprio centro, muito na esteira da arte egípcia.
A linha que vai do clássico ao moderno é assim tão subtil como essas duas dimensões que sugerem outras duas, a passagem é subtil, o resultado é radical.
quinta-feira, 27 de junho de 2019
As Questões Fracturantes
(Na foto: passagem do livro "As Mansões Filosofais" de Fulcanelli, Ed. 70, pág. 444)
As questões ideológicas e religiosas são sempre fracturantes. Elas substituem a irresolução da carência de Espírito. Podemos escolher esta ou aquela ideologia ou esta ou aquela religião conforme o contexto e as necessidades pontuais. Podemos até morrer e matar por isso. No Oriente, essa escolha no devir temporal é muitas vezes expressa pelo facto de, numa mesma vida, poder haver épocas em que se é mais budista, outras mais xintoísta, outras taoísta. Depende da época da vida, das necessidades do momento. Ninguém estranha isso no Extremo Oriente como ninguém estranha no Ocidente que, a meio da vida, se mude de Partido Político ou até de religião. Pode haver nuances dentro da mesma ideologia. Temos um Bloco de Esquerda, que se diz duma esquerda avançada, defensor das causas das minorias que utiliza como potencial e efectivo eleitorado, como é o caso dos "direitos" dos homossexuais e temos um PCP que sempre torceu o nariz à homossexualidade. São ambos ideologicamente de esquerda. Dentro do mesmo, uns são mais conservadores do que outros. Ambos destestáveis. Isto é apenas um exemplo. Se formos examinar à lupa os defensores das suas ideologias as nuances e contradições são mais do que muitas e bem observadas são questões fracturantes porque estão baseadas numa ideia daquilo que deve ser uma sociedade. As leis são feitas com base nisto bem como os modelos de sociedade que vão surgindo das ideologias. Não deixa de ser, no entanto, verdade, que a maior parte dos problemas residem na ausência do Espírito, para quem acredita nele porque há ideologias que não acreditam e até religiões onde Ele está ausente. Caminharmos cada vez mais para a existência de ausência de Espírito tanto nas ideologias como nas religiões. Não é difícil imaginar uma sociedade perfeita. O que é mesmo difícil é pensar num mundo espiritual. O Culto de Espírito Santo conseguiu fazê-lo, sem qualquer ideologia que não fosse a imperial, a social e a individual. A imperial necessita de reinos, a social necessita de abundância e a individual, base de todo o culto (daí a coroação de um imperador), necessita de Espírito. Quando me pedem para me definir ideologicamente ou religiosamente respondo: "tem dias, tem horas, tem minutos, tem segundos e frações de segundos", depende.
Ainda assim, O Culto do Espírito Santo, é apenas uma preparação para o novo ciclo ou Idade do Ouro. Quando esta Idade chegar, o homem prestará apenas homenagem ao Criador e à Obra do Criador. Mas antes disso necessita desse Culto do Espírito Santo como de pão para a boca e de Liberdade para o Espírito se manifestar.
quarta-feira, 26 de junho de 2019
Obsoletos
O que é que a extrema esquerda, o Islão e a Igreja Católica podem possuir em comum, de tal forma, que até se entendem?
Um conservadorismo obsoleto que em absolutamente nada toca a Tradição.
Rosas de Ermera
http://www.cinept.ubi.pt/pt/filme/10425/Rosas+de+Ermera
Nas passadas segunda e terça feira, deu na RTP2, por volta das dez da manhã, este filme-documentário do link acima sobre a infância de Zaca Afonso e dos seus dois irmãs.
Há memórias, de tal modo bem contadas que mesmo quando não são nossas, passam a ser nossas.
A ver.
O argumento
(Foto de Cynthia)
Os intervenientes nesta sessão dedicada à origem da palavra na poesia, façam o favor de se levantar e de se apresentar.
- Muito boa noite, chamo-me origem divina.
- Muito boa noite, chamo-me origem biológica.
- Muito boa noite, o meu nome é "à volta da fogueira".
- Muito boa noite, o meu nome é impronunciável por ser extraterrestre.
Feitas as apresentações, tem a início a sessão com a moderação a cargo da senhora dona poesia. Não sei se é doutora... fez o doutoramento?
- Muito obrigada pela pergunta mas, de facto, não fiz doutoramento algum, nunca me aceitaram na academia por incapacidade de argumentar.
Muito bem, damos então início à sessão.
A poesia levantou-se e começou a dançar uma dança exótica. Parou subitamente.
Começou por se pronunciar o senhor origem divina.
- Perante tais gestos, sobretudo quando coloca as mãos em posição de oração ou de apelo, com os braços em "v" e as palmas das mãos viradas para cima, parece-me ser evidente que a origem das palavras que a compõe é divina sendo claro o seu desejo de retornar a essa origem perfeita.
- Lamento mas discordo, -- disse o senhor origem biológica -- parece-me que as palavras que a compõem têm origem biológica cuja estrutura é composta por vivências, memórias e uma nítida inserção disso no código de ADN. Por acaso não repararam, a determinada altura, nas espirais que a dança da poesia fez em torno do eixo principal, creio que o tema era o amor, (biologicamente isso tem pouca importância) evidenciando ser sua origem, sem qualquer dúvida, biológica. Onde é que iria sequer buscar as palavras se assim não fosse? O ADN é um reservatório de memória, de malhas tecidas ao longo das gerações e vivências.
-- Sim, Sim, fala muito bem senhor origem biológica -- disse o "senhor à volta da fogueira" -- mas na verdade, não há biologia sem corpo. Onde é que coloca o ADN? É no corpo. Foi à volta da fogueira, quando o apetite por carne caçada tinha já sido saciado que as palavras da poesia nasceram. Que fazem os homens que não falam ainda? Emitem sons, dançam com tambores, grunhem e a pouco e pouco vão surgindo sons repetidos que se transformam em palavras. Antes do ADN está o corpo. Não notou que a poesia dançou? E dança-se com o quê? Com o corpo. Não queira meter a biologia à frente dos corpos. Não é por aí.
E o que tem a dizer o senhor origem extraterrestre sobre esta dança da poesia?
-- Na verdade, só sei falar do futuro, porque vim de lá. E foi lá que vi pela primeira vez a poesia a dançar. A sua origem é, por isso, extraterrestre. O "primeiro astronauta" não é uma história da carochinha. Foi ele que, vindo do futuro, ensinou tudo aos homens, inclusive as palavras. Que seria deles sem nós? Umas bestas, sem capacidade de articular o que fosse. Quando a poesia se lançou no fim da dança a voar, lamento imenso, mas isso só é possível de fazer com uma nave.
E a senhora dona poesia o que tem a dizer sobre isto?
A poesia voltou a dançar, enlaçou-os a todos, fez deles um ramo, deixou-o secar até ficar dourado. Até ficar d'oiro, num outono de folhas suspensas no ar, iluminadas pelo sol. E fez de todas as teorias um ramo de flores dourado, porque não sabia argumentar.
terça-feira, 25 de junho de 2019
Quatro Estações
Passei o Inverno inteiro e parte da Primavera a ler a obra toda de René Guénon e a tirar apontamentos, páginas e páginas de apontamentos que ainda têm de ser revistos e absorvidos com mais precisão. No Inverno anterior a este Inverno passado dediquei-me à pintura. Fiz vários quadros que estão por aqui. Agora estou a trabalhar numa coisa que é parva mas é paga. Os meus vizinhos pensaram durante muito tempo que em casa só a arrumava e que saía de vez em quando para ir às compras ou dar umas explicações. A imagem que passo é a de uma dona de casa que às vezes tem mau feitio e outras é uma espécie de santa que ajuda toda a gente. Consigo passar sempre a imagem de alguma coisa que é bipolar, extremada na ira e na bondade. O que não se sabe é que sou polipolar. Tenho não sei quantos polos a puxar por mim que estou no centro. Divido-me por toda a parte. Devoro cinema, devoro livros, quando pego num autor não o largo, estou no chão horas a fio a pintar, enfeito as coisas à minha volta, tenho a pancada dos objectos que colecciono porque gosto de olhar para eles, exalto-me com as ideias, renego-as todas, penso nos anjos, no destino, no passado, indigno-me em voz alta com a política portuguesa, julgo e condeno, consigo perdoar com a regra de pedirem perdão primeiro, planto coisas na varanda na Primavera e na Primavera seguinte volto a plantar porque no Inverno estou demasiado entretida a pintar e a estudar e a trabalhar no que é remunerado, para tratar das plantas.
Vejo a paisagem como se fosse um espectáculo preparado, escrito, encenado com todo o cuidado. Escrevo neste blogue como se fosse uma espécie de trabalho de casa e me tivesse que justificar perante leitores inexistentes. Cozinho porque raramente vou a restaurantes, invento pratos e transformo os presentes em cobaias do gosto gastronómico. Há dois dias peguei numas postas de bacalhau que tinha demolhado e consegui cozê-las, grelhá-las e assá-las de maneira que ficaram secas de novo. O resultado foi bacalhau seco, tal e qual, estava no início. Mas há outras experiências que correm bem. Entre tudo isto divido afecto pelos cães e persigo-os quando fazem asneiras que eles tentam disfarçar. Os vizinhos às vezes são surpreendidos com bolos altos com creme branco e fofo onde enfio frutas. Olham espantados e aceitam. Depois dão-me frutas dos seus quintais que transformo em compotas e as volto a dar. Transformo objectos também. Há uns tempos enchi um espelho de lantejoulas, coladas uma a uma. E penso muito. Penso demais.
Os vizinhos voltam a pensar que sou uma dona de casa que sai de vez em quando para ir às compras e dar umas explicações mas a verdade é que sofro de transtorno polipolar (nem minas inteiras de lítio podem curar), sou uma psicopata na arte sem misericórdia que transforma tudo noutra coisa e uma sociopata que não gosta de festas nem de baptizados e prefere parecer uma dona de casa que sai de vez em quando para ir ao supermercado e que desconfia de toda a gente que não se limite a pensar que sou uma dona de casa, que sai de vez em quando, e que ouse pensar que não seja mais do que isso.
segunda-feira, 24 de junho de 2019
Quando chegaste
A mais gloriosa manhã não chega para ofuscar os teus olhos grandes e essa forma que escolheste para chegar, atravessando o meu espaço como se fosse transparente e sem segredos.
Reparaste em tudo o que é íntimo por causa desses olhos grandes, cheios de amor.
Não escondeste com o teu sorriso todas as minhas estradas e todos os vales e todas as flores que segurei às portas do inferno.
Mais doce que o mel foi essa calma, essa certeza vinda muito mais do que do fundo dos tempos porque vinda do céu onde não há engano, ocultação ou maneira de não ser revelado tudo o que contemplas quando olhas para baixo.
Senti-te parado, quieto, de olhos fixos e sorriso aberto como se o tempo parasse na finitude do que somos.
Seguraste-me na minha dor, só por contemplares e teres visto aquilo que só tu sabes ver mas que adivinho pela dimensão da tua presença, pela alegria do reencontro, por aquilo que é mais do que uma certeza por se encontrar tão perto da verdade.
Sabias que só reconheceria essa proximidade com a verdade e por isso a trouxeste como se fosse um ramo de flores, saído de si mesmo, directamente para a sua essência.
Leste toda a minha vida nos teus olhos sem que pedisse. Vieste oculto ver melhor e mais perto. Vieste sereno como quem sabe que iria reparar sem que houvesse nada para reparar.
Conheces o segredo da casa aberta que de tão aberta ninguém sabe que contém um segredo. Mas tu, vindo do alto, com asas antigas e as tuas mil vidas, deste com ele e sorriste como só quem o encontra sabe sorrir.
Não, nunca vi tamanho amor como nos teus olhos, tão grandes que pareciam todo o cenário, todos os actores, todo o texto, toda a plateia, todas as luzes e todo o mundo circundante. A tua certeza dissipou-me todas as dúvidas que pudesse ter porque abarcava tudo, do princípio ao fim, Alpha e Ómega, só comparável a todo o cosmos a abrir-se com o teu sorriso.
Desapareceu tudo quando te vi e ficou só o amor suspenso no teu rosto, na tua grandiosidade, na tua generosidade súbita, na tua naturalidade só comparável à de uma subrenatureza.
Pensei, quando te vi, que nada em ti temia ou estranhava, que me restava contemplar-te em silêncio, sem resposta que não fosse só a de te reconhecer.
domingo, 23 de junho de 2019
Espaço Sagrado
A matéria prima, dantes, era trabalhada com as mãos, em grupo ou com um mestre e um discípulo. A matéria prima sofria assim uma transformação de ordem espiritual do mesmo modo que quem a trabalhava sofria o mesmo. Este princípio é uma das bases e faz parte de uma das formas iniciáticas, as outras, são sacerdotais (mais directas) ou guerreiras. As sacerdotais passam, frequentemente, (mas nem sempre) pela herditariedade e as guerreiras, aqui no Ocidente, tiveram uns laivos na nobreza, nos fiéis de amor e, segundo alguns autores, nos Templários.
A matéria prima, ao ser trabalhada, ia sendo embutida de espírito ou libertava o espírito que em si estava contido (é por isso que muitos edifícios do tempo dos antigos egípcios se encontram ainda hoje vivos mas não é este o único exemplo), e era um processo que demorava anos e anos de aprendizagem. Se hoje for construído um edifício todo certinho, com as orientações no espaço, com as medidas todas correctas simbolicamente, em suma, uma cópia dos antigos, pode parecer igual, mas não é. Se as ripas e as pedras tiverem vindo de uma fábrica, se quem desenhou nesses edifícios trabalhou num gabinete de arquitectura toda a vida, se não existem mestres, nem discípulos e esses edifícios forem erguidos sem que a matéria prima passe pelas mãos humanas, esculpido, lapidado, numa escola, num grupo, muitas horas por dia, com as emoções à flor da pele, com entrega, com aquilo que verdadeiramente une as pessoas que são as experiências comuns e por aí fora, esse edifícios podem estar bem construídos, serem sólidos dentro do possível, "soarem" bem ao olhar e até ao ouvido, mas falta tudo o resto. Falta a verdadeira eficácia, o espírito presente na matéria trabalhada que neste caso terá vindo de uma qualquer fábrica ou oficina que entretanto perdeu todo o cariz artesanal e iniciático, portanto. Será feito para não durar e não irá transmitir nada através das gerações, se sobreviver, senão números, desvirtuados, copiados simplesmente e nunca conhecidos e entendidos por quem os copiou. O que torna um espaço sagrado é muito mais do que a medida. Por isso é que dantes havia espaços sagrados onde era proibido viver ou até estar morto. Como era o caso de Sintra, onde não se podiam enterrar corpos e onde não era permitido viver. O preço da dessacralização dos espaços é exactamente a sua dessacralização e quando isso acontece só se pode contar com isso e todas as consequências que daí advêm não são surpreendentes porque imprevisível é só o espírito, o único que tem liberdade para o ser.
sábado, 22 de junho de 2019
Os cidadãos
Uma das razões pelas quais deixei de saber falar "cidadanez" prende-se com o facto de existirem afirmações, que nunca variando, ganharam, com o tempo significados opostos. Estava agora a ver aqui, no Governo Sombra o caso do termo "raça", que deveria constar nos próximos censos a terem lugar em 2021, mas que a Comunidade Cigana rejeitou e que a Comunidade representante dos afro-desce acendentes, aceitou. Ora, como disseram no programa supra-citado, no meu tempo, o termo "raça" só por si era racista, até porque não há raças. Evidentemente que hoje se se utilizar o termo "raça" é-se logo conotado com a direita e se não o utilizarmos (até porque pura e simplesmente não existe) é-se conotado com a esquerda. Isto acontece porque estamos a viver tempos, sobretudo económicos, e cuja tónica, como é numérica obriga ao pensamento bipolar e, ou se é de esquerda ou se é de direita. Os números dão nisto. No início de século, por exemplo, falava-se na raça lusitana e isto tem um significado absolutamente perdido nos dias de hoje. Assim, comecei a reparar que, mal abria a boca, ou era conotada com a esquerda ou era conotada com a direita. O mesmo se pode dizer da religião. Se falava em "despertar" era conotada ora com a maçonaria ora com com práticas iniciáticas provindas do oriente. Se falava de cristianismo lá vinha a conotação com a igreja católica. Evidentemente que sofri um curto-círcuito interno e, às tantas, deixei de conseguir comunicar, ou antes, de falar a linguagem dos cidadãos. Chegaram mesmo a dizer-me que não me definia. Pois não. Impossíveil fazê-lo, no meio das contradições que recebia como resposta. Assim, afastei-me dessa linguagem e passei a falar a linguagem dos animais e a dos pássaros, revezando-me. A dos cidadãos passa-me ao lado e não percebo nada. Eles falam, dizem uma coisas. Dizem, por exemplo que as ideologias e as questões religiosas são alternativas ao dessassosego, o que acho brilhante. Afinal tanta coisa e é só para sossegar as hostes. Hoje, se em vez de falar de raças, falasse em linhagens espirituais, a camisa de forças e o manicómio estavam assegurados. Digam o que disserem a linguagem dos cidadãos passou a ser esquerda/direita, rico/pobre, preto/branco, integração/exclusão, cristão/não cristão e por aí fora. Tudo se reduz a isto mesmo quando se pode escolher ser de esquerda e rico, ou de direita e não cristão, ou ser preto e incluindo, ou branco excluído. Ou não escolher. Mas a linguagem anda à volta disto. Prefiro não falar esta linguagem trágica mesmo com as probabilidades de parelhas que ostenta. Resolvi a questão com o "não está bom da cabeça" que digo de mim para mim quando falam comigo "cidadanez". Também tenho direito a fazer uma prateleira e colocar lá quem bem me apetece. A prateleira do "não está bom da cabeça" é o meu orgulhoso preconceito que ostento com vaidade de mim para mim. É a prateleira dos definidos, mesmo que emparelhados, dos sossegados, dos meio-mortos, dos zombies, dos anedóticos, dos tarados, dos fala-barato, enfim, é muito universal e abarca muitas pessoas. É muito animada, a prateleira do "não está bom da cabeça", uma autêntica festa que, quando não tenho mais nada para fazer, vejo como se fosse um filme. Não é cinismo. Dou mesmo gargalhadas. Verdadeiras. Nem podia ser doutro modo porque este dessassosego tende para a verdade e cada vez mais para os animais e para os pássaros com linguagens muito mais imaginativas e criativas.
sexta-feira, 21 de junho de 2019
O Rei
Desde que comecei a conviver mais com pessoas e menos com teóricos, aprendi muito mais sobre teoria. As pessoas que não são teóricas possuem a capacidade de sintetizar (não é sincretismo...) as coisas em meia dúzia de palavras. Não andam às voltas com redundâncias, nem se perdem nos "ses" das hipóteses por mais científicas que sejam. Foi hoje que ouvi, mais uma vez, palavras que me fazem sentido, vindas de quem anda tão longe dos mundos filosóficos como eu estou de alguma vez vir a gostar de chocos, polvo e lulas. Dizia a pessoa sentir que, na verdade, nem sabia muito bem para que é que tinha jeito ("dá cá mais cinco", pensei eu, identificando-me de imediato com a pessoa) mas que, sabia que se aprendesse as coisas a partir da origem era capaz de aprender muitas coisas ("dá cá mais dez, pensei eu, porque agora tocaste na verdade inteira) e que era assim que se sentia. Parou, sorriu, quase a pedir desculpa (por coisas verdadeiramente graves os teóricos não pedem desculpa, antes pelo contrário, içam o nariz e lá vão emproados na proa do seu barco imaginário) e prosseguiu, falando das oliveiras do pai, do apoio que o pai lhe tinha dado com isto da crise e, de novo, nas oliveiras do pai, e do azeite que o pai fazia, e de este ser tão bom que já tinha tido propostas de comercialização, mas que, por o seu senhor pai ter já uma certa idade, fazia apenas para si e para os amigos, e que iria continuar a fazer. Sorriu, de novo e acrescentou: "Ele vai continuar a fazer o seu azeite, que para ele é o melhor do mundo, até morrer e eu vou ajudá-lo, este ano, a apanhar as azeitonas porque, como vivo longe, nunca o ajudo. Marquei férias coincidentes com a época da apanha".
Não havendo ponta de teoria nestas declarações, o meu lado menor, consideravelmente menor, obriga-me a formular a seguinte teoria: por saber da semente à época da apanha, sabe que é capaz de aprender a "fazer qualquer coisa" desde que seja de raíz.
Para além disto, sinto que vi e ouvi (sentir, ver e ouvir, neste caso, são sinónimos) Portugal inteiro a desfilar nestas declarações. O tal Portugal generoso, teimoso e trabalhador, a anos-luz dos gabinetes do Estado, das tecnologias, das inovações, dos teóricos, das pastas, das matérias escolares. O Portugal de gente capaz de aprender e de gente que ou encontrou a vocação ou anda à procura dela (este último caso atinge a maioria da população), mas que se sabe capaz desde que lhe seja explicado como se faz. É disto que gosto neste povo, e desse sorriso que pontua uma conversa simples, que pontua com simplicidade algo que é tão complexo para os teóricos que, de tanto pensarem, filosofarem e de tanto quererem dizer a todos que sabem, perdem a capacidade mais simples de todas que é a de comunicar, sem véus, coisa que estes saloios fazem com a maior naturalidade, dizendo coisas grandiosas, sem palavras caras, sem o rebuscado da "razão animada" porque são eles que animam a razão e tornam a "anima" racional e fundem as coisas num ápice. Evidentemente que, falando uns para os outros, nem se dão conta do que dizem e que é a peneira aqui da teórica que sou eu, que no fim retira a teoria para dar ao leitores (inexistentes) mas muito presentes no coração da mesma. A forma como as coisas ecoam fica no segredo do deuses, não por serem muito "difíceis" mas por serem muito "indizíveis"...
Considero que o pior é aquele meio termo altamente enjoativo do teórico que não sabe arranjar um pimento. Normalmente metem as mãos pelos pés a dada altura da vida e acabam por contradizer toda a teoria que defenderam até aí, contradizem-na em termos teóricos. Quando chegam a esse ponto, então estão no "ponto" para se poderem calar e começarem a ouvir aqueles que sempre desprezaram ou a quem não deram qualquer atenção tão embrenhados estiveram na "análise do mundo". Mas ainda assim, só conseguirão verdadeiramente ouvi-los depois de muito penarem na agricultura que é a arte. Quando já penaram, já sofreram e já ganharam ouvidos, então um pequeno Rei começa a nascer dentro deles. O Rei, não como tirano, mas como o que rege. Regula, mede, constata, decide, em suma, é.
quinta-feira, 20 de junho de 2019
A exactidão
Dizia a uma pessoa conhecida para largar a droga das sugestões porque se fôssemos por aí, o mundo inteiro e toda a vida era uma sugestão. Por acaso até é mas ao contrário. Enquanto a sugestão condiciona o gesto na maioria das vidas há outra espécie de vida na qual o gesto condiciona, limita e retém qualquer sugestão. Isso será entrar no âmago da vida ou nela como símbolo ou sucessão de episódios que, a determinada altura, e, sobre determinado ângulo, fazem sentido. Mas adiante, dizia que largasse a droga (porque é uma autêntica droga pelos comportamentos aditivos que provoca) da sugestão e que nem pensasse por um segundo que o deserto não se lhe seguiria. Não o deserto tentador, com personagens ou provações, porque esse existe sempre quer num modo de vida quer noutro, mas um verdadeiro deserto no sentido da palavra onde não há nada a não ser as sementes a germinar, a desenvolverem-se e a darem flor que, por lá, plantarmos. Nele, as personagens que houver são nossas e os acontecimentos são do mundo que não é o nosso reino. Andava com isto na cabeça quando ao ver um filme francês (ultimamente, os franceses querem recuperar o sentido de se ser humano por via do cinema porque andam tão duros, malcriados e abrutalhados uns para os outros que a única redenção está nas histórias cinematográficas que lhes lembram as relações humanas perdidas devido à americanização, ao medo do terrorismo, ao sentimento de pertencerem a uma espécie de aristocracia europeia e ao complexo de culpa colonial, o que é uma mistura explosiva), mas dizia que ao ver o filme francês alguém disse uma frase do género: "a solidão é a mãe da criação", o que ia ao encontro do que me ocupava os pensamentos. Mas, nem por isso concordo com ela. É possível criar rodeado de gente, de animais e de coisas. É mais o silêncio interior onde ecoa o que escolhemos e peneiramos o que queremos que ecoe. E ainda a liberdade total para o fazer. E ainda, e disso não se fala, aquilo que ecoa vindo do alto. Não se fala porque o "alto" entendido, hoje, pode ser tudo. Pode ser, mas não é. O transcendente é o que nos transcende e não o que nos acupa a mente e que, se estiver ocupada, nela não ecoa transcendente algum. Qualquer filosofia oriental mais corriqueira diz isto. Mas esta estranha forma de vida actual consegue encafuar o Rossio na rua da Betesga e tornou-se normal viver assim, donde advém essa distância relativamente a uma certa verdade primordial e que se traduz pelo não reconhecimento do belo, pela incapacidade de ver seres passando por dentro de seres como viajantes, pela impossibilidade de estabelecer relações exactas entre as coisas (daí a desgraça de relações humanas do mundo actual), pela total ausência de imaginação, pela impossibilidade de se viajar entre tempos, enfim, uma condenação às correntes de metal em vez de às asas d'oiro. O refúgio está nos antigos se quiseremos ser veículos de todas estas possibilidades e de mais algumas. A inconsistência nada mais é do que a ausência de memória destas possibilidades e a perda da vivência actual desse sentido primordial do ser que é paradisíaco.
quarta-feira, 19 de junho de 2019
Teoria
Quando a informação é muita, excessiva e sobretudo dada de qualquer forma, é notória a dispersão. Quando os exacerbados exercícios de teoria política se confundem com o esoterismo, é notória a dispersão. Quando a crença impede a inteligência e o coração, é notória a dispersão. Quando a teoria é confundida com uma prática literal, é notória a dispersão. Quando não se consegue expôr um pensamento com princípio, meio e fim, é verdade que estamos perante o caos. A tudo isto assistimos nos últimos anos. Tirando a inveja, a maledicência e a cobardia, fica ainda o suficiente para ser notória a dispersão.
Raras vezes houve um conjunto de gerações tão má nestas áreas. Normalmente antecedem uma guerra mundial, ou duas. Ou então já se está em plena guerra. Talvez, no início, seja uma simples guerra pela liberdade de expressão e talvez seja, no início, uma guerra devido ao facto de essa liberdade de expressão permitir, em grande número, uma quantidade de escritos e livros de má qualidade. As duas coisas juntas coexistem e não são pacíficas. Adicione-se os egos, os mestres, os que dizem que sabem o que os outros não sabem e pela calada dizem saber, os que copiam, os que roubam. Cegos, surdos e mudos são os macacos, e infelizmente temos cada vez mais um país e um planeta de macacos (sem ofensa para os respectivos que o que está a dar agora é ser PAN - panteísta, naturalista, hippie, verde, ecologista - de repente ficaram todos assim por causa do número de cadeiras na assembleia). E neste país de macacos só se safa algum povo que ainda faz alguma coisinha com as suas próprias mãos e não bebe a vinhaça da teoria e dos bons princípios que nunca são cumpridos, embora tudo isto seja transversal a todas as categorias (que o que está a dar agora é categorizar, meio caminho para a traição da categoria, ou para não se ter categoria alguma) de pessoas, desde classes sociais, económicas, culturais, esotéricas e Pan's convertidos em animais domésticos desde que não sejam insectos (qualquer dia estamos como alguns jainas que andam com uma vassoura para não pisarem formiguinhas) ou em qualquer coisa que se atravesse no caminho e pregue sustos nas encruzilhadas que nunca são bem vindas, são sempre uma chatice de todo o tamanho porque nesses ypsilons há um restinho de divino e da árvore que somos... com a teoria que nos resta e que nos sobra para beber. O mundo está a ficar teórico, virtual e especulativo, por um lado, e bárbaro por outro. Sem ofensa para as Bárbaras e para as Barbies e para Benevente e todas as palavras começadas por "B" porque anda tudo muito Sensível e Susceptível, sem ofensa para os "eses" que também andam mal como toda a centopeia à beira de um ataque de nervos em que se transformou o abecedário, ou seja, a humanidade. Hic!
terça-feira, 18 de junho de 2019
O Sol que gira
A arte efémera, quando é arte, está muito próxima do ritual sem que obedeça cegamente à forma dos ciclos. Ela contém a sabedoria do improviso e, por isso, de todas as fases cíclicas e contém a exacta noção de simultaneidade vertical temporal. É tão efémera, por isso, quanto um poema ou a arte em pedra de uma civilização. É efémera aos nossos olhos mortais e é eterna aos olhos imortais. Há uma tendência em Portugal para uma específica ligação ao tempo da Primavera pela quantidade de arranjos de flores que se fazem. O Tempo da Primavera é o do perpétuo nascimento. Há ruas que se cobrem com flores de papel. Há procissões nas quais os arranjos de flores são fundamentais. Há a explosão dos casamentos, há o dia da Espiga.
O génio da criação parece invadir o povo mesmo sendo arte efémera.
Ora René Guénon, aponta, e muito bem, a diferença que há entre "ser perpétuo no tempo" e "ser eterno", o tempo horizontal para o primeiro, o tempo vertical (o da simultaneidade entre céu e terra), para o segundo.
Minimizar a arte efémera é minimizar esse sacerdócio feito entre céu e terra.
Podemos escolher ser pedantes e pensar que a "eternidade" é a lembrança do que fizemos. Não passamos de pedantes. A eternidade conquistada é importante no plano terrestre para a perpetuação da própria ideia de pátria (ou mátria). Foi assim que Camões salvou pátria, nadando com os Lusíadas na mão que que Fernando Pessoa a salvou também guardando na arca (o nosso Noé), os seus escritos. A sua arte "não efémera", é extremamente importante no plano horizontal do tempo porque perpetua a noção da língua e por isso da pátria.
Dar só valor às formas de arte que se perpetuam por mais tempo no plano terrestre é sinal de ignorância e pedantismo. A arte efémera, movendo-se verticalmente confere ao artista humildade necessária para o fazer e produz efeitos tão invisíveis como os anjos (daí a sua ligação ao céu).
Da mesma forma que um génio é aquele que une o que aparentemente não tem ligação, um génio da arte efémera une aquilo que no exacto momento à sua volta (a sua matéria prima) não tem ligação. Um génio da arte efémera é um improvisador. Improvisa porque sabe. Não tem qualquer ambição senão criar beleza à sua volta. Contém em si a sabedoria de anos.
Nada do que estou para aqui a dizer é novo. É pelo constante improviso que a Natureza se mantém.
Das coisas mais difíceis que há na arte da pintura e do desenho é soltar a mão. Deixá-la voar, sem preocupações de exactidão e, no entanto, fazer qualquer coisa de exacto, captar o exacto movimento do espírito. O mesmo será para escrever, para dançar, para tocar um instrumento. Para ter ideias.
Há génios na arte "permanente" e há génios na arte efémera. Sendo que a permanente se estende no tempo horizontalmente, mesmo que estabeleça um diálogo com o céu, mesmo que seja inspirada por ele, e a efémera, tem uma duração muito curta e como a sua essência é o improviso possuí a ligação do "raio" ou seja uma ligação directa e simultânea com o céu exactamente por causa dessa humildade exigida. Torna-se eterna por não querer ser eterna. Normalmente os génios da arte "permanente" possuem um nome (sobretudo desde que a arte deixou de ser anónima, como deveria ser) e os génios da arte efémera não possuem nenhum nome porque não estão preocupados com a eternidade, sendo essa a condição de eternidade. Fernando Pessoa escreveu na adolescência: "Meu Deus, livrai-me de mim", numa intuição profunda que desenvolveu pela vida, criando outros que não ele. Como se, sem ler René Guénon, soubesse que o nome aprisiona o ser, o delimita e que a condição dos grandes deuses fosse a de não ter nome nenhum, numa busca do ilimitado. Estranhamente até o seu apelido parecia tender a isso, pela abstracção. Quando afirmo que encontro o Extremo Oriente no Extremo Ocidente, isso não se refere apenas à vaga esperança de que um dia o Sol desperte a Ocidente, refiro-me ao facto, e falo por símbolos, desse embrião já cá se encontrar. Qualquer importação apressada de uma moda de um Extremo Oriente é uma forma de não querer aprofundar a nossa própria cultura, a portuguesa, que por acaso guarda as memórias mais antigas e o futuro mais bonito. Nas pequenas coisas, como por exemplo, nesta ligação à Primavera e às flores, isso é visível. É só um devaneio ou para quem é pedante ou para quem não aprofundou, ou experimentou o que é exactamente o mesmo.
domingo, 16 de junho de 2019
Fidelidade
Um homem ou mulher completamente fiel à sua ideologia é acéfalo, ou em linguagem moderna, é um robot. Um homem ou mulher que não seja completamente fiel à sua ideologia é um traidor dessa mesma ideologia. O carácter de um homem ou de uma mulher nada tem a ver com a fidelidade às ideologias. Tem a ver com a fidelidade a si próprios. Quando, efectivamente, se conhecem a si próprios, são altamente contraditórios porque essa é a natureza humana. E também são altamente candidatos à complementaridade em si mesmos. Nunca por via de qualquer ideologia e, já agora, de qualquer religião que é exactamente o mesmo, com ambições espirituais.
sexta-feira, 14 de junho de 2019
Terra Alta
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Não estranho o que vejo
E o que não digo por além verNa hora doce deste crepúsculo
A sorte é uma forma do futuro
Ainda que seja entre o dia e a noite
É na manhã que o teu rosto brilha
Pois tudo amanhece quando sorris
Que posso dizer desta terra
Destas flores naturais que se elevam?
Que por vezes outras mais presentes são
Se só dentro do coração escutam e geram.
E, nessas ilhas dos bem aventurados
essas formas surgem e logo vão
Atravessam os seres de madrugada
E pelo dia agem e são,
Ventos que nada trazem do não amor
Vindos de quase nada são vastidão
Não se fecham portas
Não se cerram os olhos
Não se dorme nem se morre
Tudo nesse nome de terra alta
É lugar de contemplação
(Cynthia Guimarães Taveira)
Castelo
Quase poderia dizer que, entre o coleccionismo de símbolos, a leitura de alguns dos nossos autores e o Portugal revelado, há uma distância parecida com a que vai do Ocidente a ao Oriente. Há a "imagem" que, na verdade, pode ser qualquer uma, e que invadiu tudo. O símbolo é mais uma imagem entre outras ou é reduzido a uma vontade como àquela dos templários actuais que gostariam de ser protagonistas de um filme de acção. A leitura de alguns dos nossos autores exige uma maturação das palavras, uma lenta digestão e progressivo entrecruzar de ideias para a qual uma vida inteira não chega. O Portugal revelado exige a presença do Espírito Santo. A complexidade do Castelo de Portugal, é a da entrada Manuelina, os labirintos internos, o aparelho digestivo, as leituras, e a altíssima complexidade das ameias que se nos revela, no início, como algo tão simples como é uma Revelação, e como algo tão complexo que é o de "avisar" os outros sobre o que se aproxima, ou que se vê, do alto, empoeirados na nuvem que é a nossa alma, como anjos, deitando os olhos às coisas com uma nova natureza angelical.
Isto não é possível de entender para os que não entraram pela porta dos símbolos e a deixaram para trás sem antes terem visto a luz após a diluição deles, não é possível para os invejosos que adoptam esta ou aquela visão deste ou daquele autor como "escola exclusiva" excluindo imediatamente não sei quantos outros, e ganhando no imediato os inimigos tão pretendidos pelos templários actuais (se se dizem templários há que chamá-los pelo nome), forjando assim a sua razão de existir, e não é possível para os não foram abençoados com essa ascenção anacrónica relativamente a qualquer tempo, em que, a empresa de desocultação do próprio país se torna caminho agreste a descer, pela dificuldade cada vez maior que há até do entendimento de simples palavras, descida que é, em simultâneo, um "aviso", ou em linguagem mais acessível, uma indicação do caminho. Essa descida só é possível de se fazer na companhia de entidades transcendentes superiores que legitimam, sem qualquer obrigatoriedade, essa comunicação entre o "alto" e o "baixo".
Ou seja, é preciso mais do que aquilo que há, para que possa haver uma comunicação minimamente decente, porque na sua maioria, quem se interessa por estes temas, ou anda enrodilhado nos símbolos, ou não maturou os autores ou não ascendeu a qualquer parte senão por contágio visual o que é igual a nada.
quinta-feira, 13 de junho de 2019
Conversão
Tenho cara de padre. Hoje fui bombardeada com perguntas essenciais sobre a vida e a fé por um jovem à beira do crisma. Só lhe soube ir respondendo com perguntas. Dei ao pobre rapaz uma mala de viagem com perguntas. Depois, confuso (que eu não estou cá nem para converter nem convencer ninguém) perguntou-me:
-- E agora o que é que eu digo? Que a Cynthia me converteu? Eu sinto que fui convertido.
Respondi-lhe:
-- Converti-te mais ou menos a que religião? Aos Jeovás, à Igreja Católica, aos Santânicos, aos Vikings?
-- Não. -- respondeu ele.
-- Ah! Bom. Quanto muito converti-te a ti.
Entre duvidar e estar ciente das dúvidas há um passo entre nós e nós.
quarta-feira, 12 de junho de 2019
Atordoada
Hoje ouvi no telejornal um daqueles gestores ou patrões da TAP, brasileiro, a propósito daqueles prémios distribuídos por alguns funcionários, só alguns, claro, dizer que tudo não passava de um, e cito, atenção mais uma vez, cito: miss-entendimento. É de facto um mal entendido do próprio mal entendido. Esta nunca tinha ouvido. Com isto ficamos muito mais descansados. A TAP era portuguesa, agora é uma miss mal entendida no que respeita à gestão e não tem lucros num país a rebentar pelas costuras com o turismo. Se o português anda assim então ainda acabo purista. A um passo do populismo, como se sabe. Aconselho vivamente este senhor a dizer a um americano que o brasileirês é um miss entendimento, tanto do inglês como do português. Na verdade, é uma tourada que me deixa atordoada. É verdade, não posso falar em touradas, é politicamente incorrecto. Mas este brasileirês, é politicamente correcto e explica tudo.
-- O senhor é brasileiro?
--Não, que ideia, sou brasilês!
-- Ah! Quer com isso dizer que é um brasileiro com origem portuguesa!
-- Que ideia! A minha origem é de língua Inglesa!
-- Ah! Então a sua pátria é a língua inglesa?
-- Ah! Então a sua pátria é a língua inglesa?
-- Disparate! A minha pátria é a língua portuguesa! Não me ofenda!
-- Então a sua mátria é a língua inglesa?
-- Não é possível, porque a pátria para os portugueses é que é a mátria.
-- A mátria?
-- Sim, a mátria! Os ingleses não dizem Mother England, nem os americanos dizem Mother América. Mátria há só uma e é Portugal.
-- Então Portugal não é um nome masculino?
-- É, mas é uma mátria.
-- E senhor é português?
-- Não, sou brasilês e falo brasileirês.
-- Então e diga-me, onde fica o Brasilês?
-- O Brasilês não fica em parte nenhuma, não existe. O Brasilês é a mátria da Língua inglesa!
-- Então a língua inglesa nasceu no Brasilês que não existe? Se não existe, a língua inglesa que é a sua pátria também não existe porque não há filho sem mãe! Olhe que nem Jesus!
-- Até que enfim que percebeu! Eu não existo, nem o milhão dos prémios. Eu disse-lhe que era um miss entendimento. Ora aí tem.
-- Tenho o quê? A mim ninguém me deu nada!
-- A si ninguém lhe deu nada porque a TAP não teve lucro e você é ninguém.
-- Eu sou ninguém? Então mas quem não existe é você! Você é que não é ninguém.
-- Então alguém teve lucro com o milhão que não existe. Eu não fui porque não existo e se você diz que é alguém, então foi você que teve lucro porque aqui não há mais ninguém.
-- Mas não há lucro nenhum.
-- Ora aí tem.
-- Tenho o quê? A mim ninguém me deu nada!!!
-- Se você é ninguém, de que é que está à espera? De ter prémio?
-- Eu sou alguém você é que não existe e por isso é ninguém.
-- Eu que não existo nem tive um prémio do lucro que não existe. Eu sou ninguém e você é um Zé ninguém. Entendido?
terça-feira, 11 de junho de 2019
A de Amor.
Ou canalizadores, pescadores, mulheres a dias, gente de trato simples ou génios. Parece não haver meio termo por aqui. E não há. As minhas páginas pessoais são de uma franqueza e de uma fraqueza assustadora. O meu inferno tem sempre só duas saídas, ou pelo alto ou por o outro lado da terra, tão fundo se vai. Há qualquer coisa de lamacento no meio termo. Qualquer coisa de pegajoso. De profundamente irritante e vazio. Para não dizer, chato e aborrecido. As belas ideias, as belas artes vivem por si. Não necessitam de lama. De caldos entornados. De falsos D. Sebastião. Tudo o que não for humilde ou genial remete-me para um sono profundo, para a minha concha cada vez mais fechada. A maioria das pessoas já não são pessoas, são estereótipos, códigos de barras, contas de supermercado. A maioria das pessoas fala de liberdade como se falasse de rebuçados, e enjoam. Fala de causas como se as causas fossem a causa de tudo. Imprimem a política ou a abstenção em todos os gestos suportados por teorias da conspiração, por teorias de desinspiração e teorias da contra-teoria da conspiração e da contra inspiração. Chego a pensar que a minha desumanidade escrita é a minha humanidade silenciosa que me resta. Cansa-me este mundo como está e cansam-me as pessoas como não estão. Vejo-as a todas de braços estendidos a pedir ajuda como náufragos. É assim que as vejo. Aos mais humildes e aos génios ainda lhes vejo dignidade, os primeiros porque a têm, de facto, os segundos, porque nasceram assim, exactamente indignos no meio da suposta e apresentável e recomendável e planfetária dignidade livre apregoada e desenxabida, das vidas interessantes sob o ponto de vista antropológico mas desidratadas como uma taça de néctar dos deuses vazia. A esses indignos vejo-lhes toda a dignidade do mundo. O meu diário pessoal é para lançar às feras, são fragmentos rosa cruz espalhados pela cidade e lidos como se fossem anúncios de uma nova lavandaria. E, por favor, não me peçam mais para bater palmas quando levo um prato na mão. Isso nem chega à dignidade que há no brejeiro ou à daquela voz, maravilhosa, de um génio que um dia me disse: o amor... esse... (qualquer coisa que não cabe num fragmento, numa verdade de trazer por casa, numa questiúncula filosófica, no rebuçado que é a liberdade, na tuberculose dos farrapos de amor do século XIX), o amor... esse... É só para génios ou para gente simples que nem sabe que ama.
Perfis
Se pudesse sentava-me neste monte à espera, como os mestres orientais que nada esperam. Mas não sou mestre nem oriental. Calhou viver no cabo de mim mesmo. A olhar em frente, com cotovelos a mergulhar no mar, o queixo apoiado nas mãos e perfis que são rasgos de uma mesma alma. E nada está quieto. Nem o mar, nem as gaivotas, nem os tesouros do fundo das águas envolvidos por algas. Nem eu, nem o meu olhar, nem o vento que quando está quieto morre.
Gostava de ser mestre para ditar a razão e a falta dela. E de saber que as coisas se mexem só porque olho para elas. Que só existem porque as vejo. Que só retornam porque as encontro. Mas dos mestres e dos orientes guardo apenas um pressentimento, uma ligeira alteração na face de um dos meus perfis. Deixo-me ficar, no outeiro das mil fontes, jorrando palavras como quem não lê. Encosto o vale à montanha, inclina-se para ela pedindo um beijo. E consigo o milagre das mil faces, de ser outeiro e vale, sem que se suba ou se desça. Sem que se seja senhor ou escravo, livre ou pecador, no incessante movimento de tudo ser.
Lê lá para lá daqui
A amêndoa, como bem observou Dalila Pereira da Costa, conserva o fruto adocicado e perfumado no interior da casca dura e grossa, difícil de se quebrar. Creio haver uma certa função pública que evidentemente advém da função pública interna. Isto vai de mal a pior. Dizia o poeta António Carlos Cortez, convidado nos Prós e Contras de hoje, que se debruçou sobre Portugal, que ninguém lê. Pois não. Ninguém lê. Nem ninguém quer saber. Convém ir fazendo queixa ao céu, talvez alguém lá em cima ouça. Isto vai de mal e pior. Ao poeta de hoje, que estava cheio de razão, deixo o recado: quando se lê poesia lá para cima, para o alto, por vezes, esse gesto tem consequências surpreendentes. Não é como orar. Orar é sempre a mesma coisa, aquelas rezas, aquela técnica respiratória mal disfarçada. Não, refiro-me mesmo a ler poesia lá para cima. Inteira. É que ela não foi feita para os homens, foi feita para os deuses e quando a lemos lá para cima, se for lida com o coração, eles ouvem. A poesia encanta-os como eles nos encantam com a sua música. E ler poesia com o coração é a única forma de a ler e eles sabem. Ouvem. Também já falei no Facebook muito sobre educação. Nada. E até havia pessoas "importantes" a ler os posts. Mas nada. Lá no Ministério da Educação, eles são supra-deuses. Aquilo que resulta mesmo é dizer poesia para o céu. Ler em voz alta para os anjos ouvirem. Sentir todas as palavras como o poeta nunca as sentiu, até. Isso sim. Estão esses deuses mais próximos de nós do que os do Ministério. Ninguém lê. Pois não. Muito menos lá para cima. Já andam aborrecidos, os anjos e os deuses. No Ministério, os supra-deuses encarnaram o aborrecimento. Não estão aborrecidos. São aborrecidos. Tremendamente, para citar o Trump que é outro que é aborrecido. Ninguém lê. Pois não. Disseste que 40% dos portugueses não tinham lido um livro durante um ano. Não. Pelo menos metade deles estava a mentir. E a outra metade lê romances do fantástico ou livros das tias que foram mães e querem contar a toda a gente "como é ser mãe" porque ninguém sabe... Por isso escreve poesia, lê poesia para o alto. Lá eles apreciam. Cá em baixo não. Anda tudo muito preocupado em ser mais do que os deuses. Nêm têm tempo, "tremenda" é a tarefa. Vou contar-te um segredo: para se ler há que se ser humilde. Verdade. Esse é o princípio da leitura. Dizer: "Não sei". As pessoas preferem ser aborrecidas a ler. Armam-se em Ministério da Educação. Têm a mania das grandezas. Lá, no Ministério da Educação encontram-se os primeiros "não-leitores". Estão no topo. E toda a gente quer ser como eles. Mas não lhes chegam aos calcanhares, porque além de não lerem, são cegos. Nem em braille lêem. Nada. Carimbam papéis. Obedecem às editoras e à Santa Europa. Verdade. Por isso, lê para o céu, para os deuses, para os anjos. São mais humanos.
segunda-feira, 10 de junho de 2019
Elite
Tive um óptimo professor de psicologia na Faculdade. Um dia apresentei-lhe a minha intenção de fazer um trabalho sobre a alma de Portugal. Perguntou-me: "O que é a alma?" Fiquei sem resposta. No mundo académico a alma não existia. Eu nem sabia definir o que era a alma, quando mais a portuguesa. Evidentemente que fiz um trabalho sobre outra coisa qualquer, não tão interessante e rica como a alma portuguesa, seja lá o que ela fôr, em termos académicos. Para os "realistas" não há alma e a academia quer-se realista. Nem ele deixou de ser bom professor (senão não vinha aqui passados vinte anos lembrar o episódio), nem eu deixei de falar na alma portuguesa, qualquer que seja a sua nuance porque "português que é só português, não é português", como disse o grande Fernando Pessoa. Corro sérios riscos de não ser portuguesa por falar e escrever tanto sobre Portugal mas alguém tem de falar nisto senão corre-se o risco de ninguém falar, o que é pior. Assim, aprendi que aquilo que é "muito" para alguns é "nada" para outros. Para a academia a alma portuguesa, ou não, não era nada e para mim era muito.
A propósito do discurso de hoje, realista quanto baste porque não se troca os Lusíadas pela Lírica de Camões como inspiração porque a Lírica está contida nos Lusíadas o que seria trocar a floresta pela árvore... Se Camões não tivesse amado não teria amado os portugueses, Portugal é mais do que uma ideia, é um Amor, tirando esse detalhe, vincou, e bem, João Miguel Tavares, o fosso entre o português normal e a elite. Como nem só os bons professores universitários podem colocar as palavras em causa, fui aqui ao dicionário da Internet (não estive para me levantar do sofá porque passei o dia a trabalhar) e sobre "elite" diz isto:
e·li·te
(francês élite)
substantivo feminino
(francês élite)
1. O que há de melhor e se valoriza mais (numa sociedade). = ESCOL, FINA FLOR, NATA
2. Minoria social que se considera prestigiosa e que por isso detém algum poder e influência.
"elite", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/elite [consultado em 10-06-2019].
Que estranho, tem "fina flor". Creio bem que a alma portuguesa se encontra na língua se formos por este significado, mas, na verdade, quando nos desviamos deste significado ficamos completamente desnorteados. A elite, pode ser tudo.
Sendo assim, a elite, verdadeiramente, não existe ou antes, para ser mais científica, se existe pode ser tudo. E é. E esse é que é o problema.
Relativamente à "fina flor" o mistério adensa-se. É que não é uma flor fina, ou finória, é uma fina flor, o que é bem diferente. Podendo ser qualquer flor não é uma flor qualquer. Fina flor é o mesmo que dizer "nata", ou algo que se eleva naturalmente. Muito naturalmente. É, porque nasceu assim. Que língua tramada. Dá cabo da democracia tal como a conhecemos. Diz a verdade mesmo debaixo dos nossos olhos. E incomoda.
Ritos e Caldeirões
O caldeirão da imaginação significa em linguagem da Cynthia que há quem nasça com imaginação. O caldeirão de civilizações, na mesma linguagem, significa que há quem nasça sem imaginação nenhuma e necessite de reproduzir uma civilização e/ou épocas históricas já desaparecidas, quer seja por ritos perdidos no tempo, quer seja por mimetismo de vestuário.
Assim, temos os ritos actuais e temos ritos do passado dos quais só há hipóteses de reconstrução porque não há dados nem pessoas viventes suficientes para os reconstruir. Só podem ser reconstituídos como no teatro, reconstruir e reconstituir são palavras diferentes.
Na verdade, como afirmou Fernando Pessoa, os ritos são necessários para quem não sabe nem sente que os símbolos possuem vida. Em último grau isto remete-nos para os tipos de iniciação (pessoal ou colectiva) existentes no mundo. Os pessoais referem-se às pessoas, os colectivos (mesmo que ligados aos ofícios ou ao sacerdócio, referem-se ao colectivo). Os pessoais, na verdade, são espontâneos, ou seja, há um encontro no tempo e no espaço com o rito espontaneamente, os restantes são mais elaborados e, quando se tornam espontâneos, tornam-se imediatamente pessoais. Assim, o rito colectivo deve prolongar uma memória (sem interrupções) e a sua finalidade, mesmo que pareça utópica, é tanto a pessoa, como o rito que um dia se encontrará com ela espontaneamente. As pessoas com imaginação facilmente sabem que os símbolos têm vida e, ou se encontram no caminho do rito espontaneamente ou se encontram no caminho do reino da fantasia, que nada tem de rito, apenas uma deriva na fantástica aventura da iniciação. Fantástica, porque a outra é real, ou seja verdadeira. Resta saber, qual o rito.
domingo, 9 de junho de 2019
A Idade do Ouro
A Idade do Ouro, coincidente com a Idade do Espírito Santo, não terá qualquer civilização. Todas elas estão condenadas a nascer, a crescer e a morrer. Pela sua duração e qualidade (maiores do que em qualquer outra fase do ciclo) será, essa Idade, sobretudo, um estado ou modo de existência. A verdadeira Saudade Portuguesa não é a nostalgia de uma qualquer civilização, é a Saudade de uma maneira de ser. Todos os revivalismos são iguais aos sonhos que qualquer pessoa tem quando revive simbolicamente o seu quotidiano só que, em vez do quotidiano com o seu limite temporal, revive-se uma qualquer civilização com o seu limite temporal normal. Há outros sonhos, bem mais profundos e estendidos em todas as direcções que são a matriz dessa Idade do Ouro. Um deles é a Saudade. E daí que a Saudade seja do Futuro. Não há civilização que se sobreponha à Idade do Ouro, ou seja, a um modo de ser ou frequência. A personalidade não é um revivalismo. É a consciência de um futuro. Os revivalismos Históricos que não contiverem essa consciência são meros sonhos, como é o caso das feirinhas medievais, renascentistas, gregas ou o que seja. O Culto do Espírito Santo é feito com pessoas na actualidade com a cabeça no futuro, não com mascaradas infantis que tanto podiam ser a de um cavaleiro medieval como do homem aranha... O Halloween, aliás, mostra bem isso, o devaneio sem direcção dos sonhos metidos nas suas civilizações mais do que mortas. Há diferenças, de facto, entre o "vale tudo" e o "vale de tudo", o primeiro é bélico e de Marte, o segundo é abundante e de Vénus, tal como a Idade do Espírito Santo. O percurso é, tal como nos planetas, de Marte, passando por Terra, chegando a Vénus e por fim a Mercúrio que, com as suas asas, comunica directamente com o Sol ou centro. E cada um, na actualidade, estará numa determinada frequência interna que externamente acaba por se tornar visível, mais tarde ou mais cedo.
O baile dos ardentes
Na foto: entrada da Livraria "Le bal des ardents" em Lion, e cuja origem do nome é:
Há uma diferença grande entre o "vale tudo" e o "vale de tudo". Isto a propósito da edição. Neste mundo, onde o lucro vale mais do que o livro, existir uma editora com personalidade é, estranhamente, uma luta de livros. No "vale tudo", qualquer coisa serve, no "vale de tudo", o tudo ou todo é adquirido por conta da personalidade e da integridade. As depressões podem ser, de facto, muito diferentes e a sua vivência também. De modo que, em época de depressão como a nossa, o "vale tudo" é uma depressão sem ascensão e o "vale de tudo" contém o germe da ascenção. Entre o lucro e o livro está a diferença entre o vale e a montanha.
sábado, 8 de junho de 2019
A hierarquia
A única hierarquia entre os homens que existe é apenas a da consciência, a do grau de consciência. É por isso que como Fernando Pessoa afirmou, nas últimas páginas do livrinho da imagem os "Cavaleiros são iguais entre si". Este "entre si", correspondente a uma sintonia qualitativa, tanto em consciência como em "coração". Falar-se hoje em "coração" parece uma coisa bi-polar: ou é um sentimentalismo mimético e apenas emocional ou é colocado de parte em abono de todos os avanços feitos pela ciência que, com fios e câmaras, colocou as várias zonas do cérebro a brilhar, a piscar, como estrelas. Por outro lado, parece ser a consciência apenas entendida como sendo a capacidade de raciocínio. Maior precisão será talvez falar em "frequências" que são uma mistura densa e estrutural de vivências, memórias, experiências, sentimentos, ligações, intuições e por aí fora. Assim, tal como René Guénon apontou, a hierarquia será sempre qualitativa e, a noção do que é ou não a qualidade depende exactamente dessa consciência, ou melhor, dessa "frequência". Não há sistema político que nos valha enquanto não se tiver isto em conta, simplesmente porque não podemos enganar o Espírito. Nem com dinheiro, nem com boas intenções, nem tampouco com boas acções vazias de Espírito.
quinta-feira, 6 de junho de 2019
O Porta-chaves
Tenho novidades da Suécia e tenho novidades da Catarina. Ora bem, a Suécia fica distante e nunca me viu na vida. Toma a letra como verdade. A Catarina, com os seus onze aninhos, é mais espontânea. Aceita qualquer figura que faça. Às vezes faço imitações para lhe poder explicar melhor as coisas. Ela ri-se umas vezes, outras diz: "Oh, não, tu estás boa da cabeça?!", Outras diz assim: "Estou parva contigo!", "Outras diz assim: "Eu nunca vou arranjar uma explicadora assim, tu não existes!!!" E outras vezes diz-me coisas que são montanhas, quando não estou a fazer figuras tristes, e me debruço sobre o livro. Abre a boca e lá vem a seta, directa ao meu coração. Exacta. É sabido que a Suécia se escreve com um "S", e que Catarina com um "C". O "S" é, para Portugal, uma letra dúbia, como é sabido desde que foi observado (li em António Quadros, salvo erro), que os nossos governantes tendem a ter a Letra "S" no nome desde D. Sebastião, com um interregno, é certo, mas as Repúblicas levaram esse facto muito a sério. A letra "C", em Portugal é uma letra incrível porque há uma enorme quantidade de palavras começadas por "C". De maneira que fiquei entre o "S" e o "C", mas foi a Catarina que resolveu melhor o problema porque me "C-onhece" há cinco anos e tem estado comigo todas as semanas desses anos menos em Agosto. Assim sendo, e o que me disse a Catarina foi tão avassalador e tão certeiro, que me fico por aquilo que ela disse. Ainda para mais faz conjunto com a Suécia (deslavada) onde nunca estive e nem tem consciência do que estou para aqui a dizer. Também há a questão da precedência, a Catarina falou primeiro. Também é importante.
Resumindo: o mundo interno de todos nós é impenetrável a não ser por aqueles que nos Conhecem e nos falam directamente ao coração. Podem até ser desconhecidos (a Suécia acertou em parte mas foi ao lado, onde não quis) mas vão direitinhas à questão. Ainda bem que assim é. E, ainda por cima recebi um presente da Catarina lindo de morrer. Um porta-chaves para a minha chave. Sempre achei os Comunistas estúpidos. E continuo a achar. Bem intencionados mas estúpidos. Até gosto do Jerónimo, é bom homem, mas já o Buda dizia que o bom coração não basta a inteligência é igualmente necessária. E o "colectivo", as "massas", são acéfalas. A Idade do Espírito Santo será dos poetas. Será daqueles que sabem quem são e que alma têm, ou seja, e mais uma vez volto a dizer que confundir "colectivismo" com a "abundância" é para cegos. Nunca houve, nem nunca haverá um "comunismo" abundante, gera sempre probreza. Daí que, entre "comunismo" e "comunitarismo" haja um fosso absoluto. O "comunismo" gera carência, como se viu, o "comunitarismo" gera abundância. O primeiro é um regime económico, com base materialista, o segundo é um modo de vida (nem é regime - só a palavra Regime assusta porque faz lembrar "dieta", ou seja "carência") que gera a generosidade. E volto a repetir, a caridade corresponde à carência, a generosidade corresponde à abundância. A justiça social à portuguesa sempre foi feita pela "generosidade" das "comunidades", nunca, mas nunca foi feita por qualquer espécie de comunismo por mais "Católica" e "Conservadora" que seja a imagem com que nos presenteia por vezes. Assim sendo, a raíz do povo português é a generosidade. Foi ela que nos manteve durante os períodos de crise, que manteve famílias anónimas inteiras. As paróquias tiveram o seu papel, como sempre têm, ajudando os mais desfavorecidos, nada contra, mas também nada que não seja o Dever dos que se dizem Católicos, mas a base da nossa resiliência na sua grande maioria foi a da generosidade, de amigos para amigos, de avós para netos, de pais para filhos. Quem tinha mais, durante a crise, ajudou aqueles que lhes eram próximos. Isso constitui a verdadeira força portuguesa. Não é nem a caridade católica (que canaliza apenas a generosidade de alguns), nem o Comunismo que pretende fazer o mesmo em termos políticos e económicos, mas sem êxito. A base é a generosidade, nunca a caridade. Uma pessoa "abundante" pode dar a outra pessoa "abundante", uma pessoa "caridosa" só dá a pessoas carentes, no primeiro exemplo há liberdade, no segundo exemplo não há liberdade, há dever. A caridade é o alimento dos burgueses com vista a alcançar o céu, é o alimento dos padres que querem o mesmo, é o alimento dos Comunistas que querem o poder (o comunismo nasce com a ideia de poder, mesmo que seja o poder do povo, e não tem a noção de centro, tem a noção de Comité Central, ou seja, de um Olimpo...). A generosidade não se preocupa em alcançar o céu. Não é um negócio. É Deus em Nós, é o Rei em Nós. Não há Comité Central. Nem há Hierarquias Eclesiásticas que são a mesma coisa com a figura do Papa a fazer de Deus (uma aberração, uma teocracia mal disfarçada). A abundância, tal como o Espírito, está ligado ao feminino. A Deusa, só com este nome e mais nenhum, não pertence a nenhum Olimpo. Todos os deuses de todos os Olimpos têm nome. A Deusa, como o Espírito e como Deus, não tem nome. Todo o nome, como ensinou Guénon, delimita. Ao serem nomeados, os animais, ficaram delimitados e limitados. É uma utilidade (e limitação também) terrestre, tal como os deuses do Olimpo nos Lusíadas foram uma utilidade nos Descobrimentos. Quando se fala se Espírito, fala-se de outra coisa. Daí o erro em nomear Deus, nem que sejam noventa e nove nomes. São limites. A nomeação pela negação praticada nas Igrejas Ortodoxas, é mais próxima do Real: "Deus não é isto, Deus não é aquilo", o que é então? Abre as portas para a questão. Foi o "S" e o "C" que me levaram a escrever este texto. Não foi a Suécia nem a Catarina. O "S" e o "C" são unidades isoladas. Podemos dizer que são "nomes de letras", mas limitam a "letra em si", não o nome. Como os indivíduos não limitam a comunidade nem a comunidade limita o indivíduo. O comunismo limita o indivíduo, submete-o à comunidade numa suposta liberdade dirigida por um comité central. O comunismo é uma pirâmide invertida, onde supostamente a base é o topo. O comunitarismo é uma esfera. Uma esfera armilar, todos equidistantes do centro. Todos são o centro e a periferia. A ideia Lusa é a da Esfera, a da Curva. Herdamos as pirâmides duma civilização que se afundou. Curiosamente, a Atlântida, quando funcionava, era circular. A espiral está presente nas nossas pedras mais antigas, no "S", a curva no "C". A pirâmide concentra energia, a esfera é pura energia. Há três volumes fundamentais nisto tudo: o cubo, a pirâmide, a esfera. Da esfera ao cubo passando pela pirâmide e do cubo à esfera sem passar pela pirâmide. Porque a passagem do ferro ao ouro é súbita (daí que toda a via húmida tenha obrigatoriamente que ter um ou mais momentos de via breve...). Não sou eu que falo nessa passagem súbita. É a Tradição. Basta ler. Olha que dia este!
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