domingo, 23 de junho de 2019
Espaço Sagrado
A matéria prima, dantes, era trabalhada com as mãos, em grupo ou com um mestre e um discípulo. A matéria prima sofria assim uma transformação de ordem espiritual do mesmo modo que quem a trabalhava sofria o mesmo. Este princípio é uma das bases e faz parte de uma das formas iniciáticas, as outras, são sacerdotais (mais directas) ou guerreiras. As sacerdotais passam, frequentemente, (mas nem sempre) pela herditariedade e as guerreiras, aqui no Ocidente, tiveram uns laivos na nobreza, nos fiéis de amor e, segundo alguns autores, nos Templários.
A matéria prima, ao ser trabalhada, ia sendo embutida de espírito ou libertava o espírito que em si estava contido (é por isso que muitos edifícios do tempo dos antigos egípcios se encontram ainda hoje vivos mas não é este o único exemplo), e era um processo que demorava anos e anos de aprendizagem. Se hoje for construído um edifício todo certinho, com as orientações no espaço, com as medidas todas correctas simbolicamente, em suma, uma cópia dos antigos, pode parecer igual, mas não é. Se as ripas e as pedras tiverem vindo de uma fábrica, se quem desenhou nesses edifícios trabalhou num gabinete de arquitectura toda a vida, se não existem mestres, nem discípulos e esses edifícios forem erguidos sem que a matéria prima passe pelas mãos humanas, esculpido, lapidado, numa escola, num grupo, muitas horas por dia, com as emoções à flor da pele, com entrega, com aquilo que verdadeiramente une as pessoas que são as experiências comuns e por aí fora, esse edifícios podem estar bem construídos, serem sólidos dentro do possível, "soarem" bem ao olhar e até ao ouvido, mas falta tudo o resto. Falta a verdadeira eficácia, o espírito presente na matéria trabalhada que neste caso terá vindo de uma qualquer fábrica ou oficina que entretanto perdeu todo o cariz artesanal e iniciático, portanto. Será feito para não durar e não irá transmitir nada através das gerações, se sobreviver, senão números, desvirtuados, copiados simplesmente e nunca conhecidos e entendidos por quem os copiou. O que torna um espaço sagrado é muito mais do que a medida. Por isso é que dantes havia espaços sagrados onde era proibido viver ou até estar morto. Como era o caso de Sintra, onde não se podiam enterrar corpos e onde não era permitido viver. O preço da dessacralização dos espaços é exactamente a sua dessacralização e quando isso acontece só se pode contar com isso e todas as consequências que daí advêm não são surpreendentes porque imprevisível é só o espírito, o único que tem liberdade para o ser.
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