domingo, 2 de junho de 2019

As vacas


A falta de inteligência é transversal a todas as classes sociais. O meio esotérico é sempre um reflexo, mais ou menos rarefeito  da sociedade da mesma maneira que se Marte for habitável poderão habitar esse planeta os mesmos seres humanos, com os mesmíssimos defeitos que aqui tiveram em Terra. O meio chamado "esotérico" é uma espécie de Marte (Vénus é só para alguns...) no qual se pode observar a falta de inteligência. Basta ler algumas coisas para se constatar a total falta de raciocínio, de elaboração, de pensamento, autênticos somatórios de cimentadas listas de palavras, hierarquias e até cosmogonias que espremidas nos levam a ficar exactamente na mesma. Entre a cultura e a erudição continua a haver um grande fosso. Se não percebem isto podem ler Fernando Pessoa que, com palavras simples, até com muito poucas, por vezes, nos deixou a pensar. Mas há quem prefira listagens intermináveis de símbolos e palavras enquadradas em desenhos geométricos, arrumando assim o mundo e colocando definitivamente o pensamento para debaixo do tapete. É mais fácil e faz um vistão. Levar as pessoas a pensar pela sua própria cabeça é mais difícil, dá mais trabalho e é necessária, garanto, muito mais cultura do que erudição.
Iniciei o texto com a falta de inteligência (tomando esta como sendo a capacidade de raciocinar) e dizendo que era transversal a todas as classes sociais (e também esotéricas como espelho rarefeito) porque me lembrei da história das vacas.
Quando vim aqui para a aldeia (fugi da cidade por já não falar a mesma linguagem dos cidadãos e por razões que avariariam definitivamente qualquer mente que se considere sã no dias de hoje, ou seja, 99% racional) fui abordada pelo complexo de inferioridade (transformado em superioridade) de uma saloia. Disse-me ela com ar superior que eu não percebia nada de vacas e que, por isso, não percebia nada de nada. E teimou, teimou a dizer-me que tinha trinta vacas ou coisa que o valha, sempre com o mesmo tom, faltando um nadinha de nada para me dizer que eu era uma pacóvia da cidade e que não sabia o que era a vida a sério. É sabido que gosto de saloios e até da sua esperteza (é uma mistura de teatro e de teste que os grupos esotéricos tentam copiar e fazem-no muito mal porque se nota sempre que por debaixo do vestido de princesa têm sempre uns ténis, como aquelas máscaras mal amanhadas de Carnaval) mas aquela mulher já me estava a chatear. Tinha, visivelmente um complexo de inferioridade que "mascarava" com o de superioridade. Já farta da conversa, fiz-lhe uma pergunta em jeito de resposta:
- Então diga-me, desde que nasci que cresci na cidade e vivi em apartamentos. Onde é que queria que eu tivesse as vacas?
Calou-se, naturalmente. E calada ficou até esboçar um sorriso e dizer:
- É verdade! Num apartamento não cabem vacas.
- Muito bem, finalmente percebeu.
Daí em diante sempre que se chegam ao pé de mim com complexos e visivelmente com falta de inteligência, lembro-me das vacas. Pestanejo, faço uma cara de compreensão absoluta e esboço um sorriso que as pessoas não sabem mas que quer dizer: pois, não sabes onde pôr as vacas... E o diálogo fica em suspenso, até prova em contrário. 

Sem comentários:

Enviar um comentário