sexta-feira, 21 de junho de 2019
O Rei
Desde que comecei a conviver mais com pessoas e menos com teóricos, aprendi muito mais sobre teoria. As pessoas que não são teóricas possuem a capacidade de sintetizar (não é sincretismo...) as coisas em meia dúzia de palavras. Não andam às voltas com redundâncias, nem se perdem nos "ses" das hipóteses por mais científicas que sejam. Foi hoje que ouvi, mais uma vez, palavras que me fazem sentido, vindas de quem anda tão longe dos mundos filosóficos como eu estou de alguma vez vir a gostar de chocos, polvo e lulas. Dizia a pessoa sentir que, na verdade, nem sabia muito bem para que é que tinha jeito ("dá cá mais cinco", pensei eu, identificando-me de imediato com a pessoa) mas que, sabia que se aprendesse as coisas a partir da origem era capaz de aprender muitas coisas ("dá cá mais dez, pensei eu, porque agora tocaste na verdade inteira) e que era assim que se sentia. Parou, sorriu, quase a pedir desculpa (por coisas verdadeiramente graves os teóricos não pedem desculpa, antes pelo contrário, içam o nariz e lá vão emproados na proa do seu barco imaginário) e prosseguiu, falando das oliveiras do pai, do apoio que o pai lhe tinha dado com isto da crise e, de novo, nas oliveiras do pai, e do azeite que o pai fazia, e de este ser tão bom que já tinha tido propostas de comercialização, mas que, por o seu senhor pai ter já uma certa idade, fazia apenas para si e para os amigos, e que iria continuar a fazer. Sorriu, de novo e acrescentou: "Ele vai continuar a fazer o seu azeite, que para ele é o melhor do mundo, até morrer e eu vou ajudá-lo, este ano, a apanhar as azeitonas porque, como vivo longe, nunca o ajudo. Marquei férias coincidentes com a época da apanha".
Não havendo ponta de teoria nestas declarações, o meu lado menor, consideravelmente menor, obriga-me a formular a seguinte teoria: por saber da semente à época da apanha, sabe que é capaz de aprender a "fazer qualquer coisa" desde que seja de raíz.
Para além disto, sinto que vi e ouvi (sentir, ver e ouvir, neste caso, são sinónimos) Portugal inteiro a desfilar nestas declarações. O tal Portugal generoso, teimoso e trabalhador, a anos-luz dos gabinetes do Estado, das tecnologias, das inovações, dos teóricos, das pastas, das matérias escolares. O Portugal de gente capaz de aprender e de gente que ou encontrou a vocação ou anda à procura dela (este último caso atinge a maioria da população), mas que se sabe capaz desde que lhe seja explicado como se faz. É disto que gosto neste povo, e desse sorriso que pontua uma conversa simples, que pontua com simplicidade algo que é tão complexo para os teóricos que, de tanto pensarem, filosofarem e de tanto quererem dizer a todos que sabem, perdem a capacidade mais simples de todas que é a de comunicar, sem véus, coisa que estes saloios fazem com a maior naturalidade, dizendo coisas grandiosas, sem palavras caras, sem o rebuscado da "razão animada" porque são eles que animam a razão e tornam a "anima" racional e fundem as coisas num ápice. Evidentemente que, falando uns para os outros, nem se dão conta do que dizem e que é a peneira aqui da teórica que sou eu, que no fim retira a teoria para dar ao leitores (inexistentes) mas muito presentes no coração da mesma. A forma como as coisas ecoam fica no segredo do deuses, não por serem muito "difíceis" mas por serem muito "indizíveis"...
Considero que o pior é aquele meio termo altamente enjoativo do teórico que não sabe arranjar um pimento. Normalmente metem as mãos pelos pés a dada altura da vida e acabam por contradizer toda a teoria que defenderam até aí, contradizem-na em termos teóricos. Quando chegam a esse ponto, então estão no "ponto" para se poderem calar e começarem a ouvir aqueles que sempre desprezaram ou a quem não deram qualquer atenção tão embrenhados estiveram na "análise do mundo". Mas ainda assim, só conseguirão verdadeiramente ouvi-los depois de muito penarem na agricultura que é a arte. Quando já penaram, já sofreram e já ganharam ouvidos, então um pequeno Rei começa a nascer dentro deles. O Rei, não como tirano, mas como o que rege. Regula, mede, constata, decide, em suma, é.
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