Tive um óptimo professor de psicologia na Faculdade. Um dia apresentei-lhe a minha intenção de fazer um trabalho sobre a alma de Portugal. Perguntou-me: "O que é a alma?" Fiquei sem resposta. No mundo académico a alma não existia. Eu nem sabia definir o que era a alma, quando mais a portuguesa. Evidentemente que fiz um trabalho sobre outra coisa qualquer, não tão interessante e rica como a alma portuguesa, seja lá o que ela fôr, em termos académicos. Para os "realistas" não há alma e a academia quer-se realista. Nem ele deixou de ser bom professor (senão não vinha aqui passados vinte anos lembrar o episódio), nem eu deixei de falar na alma portuguesa, qualquer que seja a sua nuance porque "português que é só português, não é português", como disse o grande Fernando Pessoa. Corro sérios riscos de não ser portuguesa por falar e escrever tanto sobre Portugal mas alguém tem de falar nisto senão corre-se o risco de ninguém falar, o que é pior. Assim, aprendi que aquilo que é "muito" para alguns é "nada" para outros. Para a academia a alma portuguesa, ou não, não era nada e para mim era muito.
A propósito do discurso de hoje, realista quanto baste porque não se troca os Lusíadas pela Lírica de Camões como inspiração porque a Lírica está contida nos Lusíadas o que seria trocar a floresta pela árvore... Se Camões não tivesse amado não teria amado os portugueses, Portugal é mais do que uma ideia, é um Amor, tirando esse detalhe, vincou, e bem, João Miguel Tavares, o fosso entre o português normal e a elite. Como nem só os bons professores universitários podem colocar as palavras em causa, fui aqui ao dicionário da Internet (não estive para me levantar do sofá porque passei o dia a trabalhar) e sobre "elite" diz isto:
e·li·te
(francês élite)
substantivo feminino
(francês élite)
1. O que há de melhor e se valoriza mais (numa sociedade). = ESCOL, FINA FLOR, NATA
2. Minoria social que se considera prestigiosa e que por isso detém algum poder e influência.
"elite", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/elite [consultado em 10-06-2019].
Que estranho, tem "fina flor". Creio bem que a alma portuguesa se encontra na língua se formos por este significado, mas, na verdade, quando nos desviamos deste significado ficamos completamente desnorteados. A elite, pode ser tudo.
Sendo assim, a elite, verdadeiramente, não existe ou antes, para ser mais científica, se existe pode ser tudo. E é. E esse é que é o problema.
Relativamente à "fina flor" o mistério adensa-se. É que não é uma flor fina, ou finória, é uma fina flor, o que é bem diferente. Podendo ser qualquer flor não é uma flor qualquer. Fina flor é o mesmo que dizer "nata", ou algo que se eleva naturalmente. Muito naturalmente. É, porque nasceu assim. Que língua tramada. Dá cabo da democracia tal como a conhecemos. Diz a verdade mesmo debaixo dos nossos olhos. E incomoda.
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