terça-feira, 11 de junho de 2019

A de Amor.


Ou canalizadores, pescadores, mulheres a dias, gente de trato simples ou génios. Parece não haver meio termo por aqui. E não há. As minhas páginas pessoais são de uma franqueza e de uma fraqueza assustadora. O meu inferno tem sempre só duas saídas, ou pelo alto ou por o outro lado da terra, tão fundo se vai. Há qualquer coisa de lamacento no meio termo. Qualquer coisa de pegajoso. De profundamente irritante e vazio. Para não dizer, chato e aborrecido. As belas ideias, as belas artes vivem por si. Não necessitam de lama. De caldos entornados. De falsos D. Sebastião. Tudo o que não for humilde ou genial remete-me para um sono profundo, para a minha concha cada vez mais fechada. A maioria das pessoas já não são pessoas, são estereótipos, códigos de barras, contas de supermercado. A maioria das pessoas fala de liberdade como se falasse de rebuçados, e enjoam. Fala de causas como se as causas fossem a causa de tudo. Imprimem a política ou a abstenção em todos os gestos suportados por teorias da conspiração, por teorias de desinspiração e teorias da contra-teoria da conspiração e da contra inspiração. Chego a pensar que a minha desumanidade escrita é a minha humanidade silenciosa que me resta. Cansa-me este mundo como está e cansam-me as pessoas como não estão. Vejo-as a todas de braços estendidos a pedir ajuda como náufragos. É assim que as vejo. Aos mais humildes e aos génios ainda lhes vejo dignidade, os primeiros porque a têm, de facto, os segundos, porque nasceram assim, exactamente indignos no meio da suposta e apresentável e recomendável e planfetária dignidade livre apregoada e desenxabida, das vidas interessantes sob o ponto de vista antropológico mas desidratadas como uma taça de néctar dos deuses vazia. A esses indignos vejo-lhes toda a dignidade do mundo. O meu diário pessoal é para lançar às feras, são fragmentos rosa cruz espalhados pela cidade e lidos como se fossem anúncios de uma nova lavandaria. E, por favor, não me peçam mais para bater palmas quando levo um prato na mão. Isso nem chega à dignidade que há no brejeiro ou à daquela voz, maravilhosa, de um génio que um dia me disse: o amor... esse...  (qualquer coisa que não cabe num fragmento, numa verdade de trazer por casa, numa questiúncula filosófica, no rebuçado que é a liberdade, na tuberculose dos farrapos de amor do século XIX), o amor... esse... É só para génios ou para gente simples que nem sabe que ama.

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