Apareces-me sempre ao por do sol e contas-me histórias de marinheiros idos e de sereias que ainda vivem. O teu olhar é espesso como um tronco de árvore e os teus dedos sibilam pela areia. E deixas sempre outra história por contar como se as noites fossem mil e o dia só um. Perco-me nos teus espaços e nos longos corredores que os ligam onde oscilam pendurados os nomes dos invisíveis que por aqui sempre estiveram. Não creio que inventes essas histórias por serem fantásticas demais. A fantasia nunca vai além de si própria e as tuas histórias vão além da fantasia e desembocam na realidade que, essa sim, consegue ir para além de tudo. Deixo que navegues ao som da tua lira, e no barco manso que torna qualquer mar num espelho de água calma mal entra nas ondas; deixo-me ficar com uma mão a deslizar pelas tuas palavras e a cabeça virada ao sol como um girassol. Hoje contaste-me a história de um velho marinheiro que sempre conheci e que conheceu todas as águas, as doces e as salgadas, os gelos e os vapores de éter elevados ao céu. E conta ele com a perícia de quem lança uma rede às estrelas como aprendeu que a água, tal como o céu, é uma cornucópia viva donde surgem todos os sonhos e todas as histórias verdadeiras. E que não há diferença na origem que ninguém conhece, entre o mar e o céu. E pergunto-te como sabe esse marinheiro de que me falas que ninguém conhece a origem do mar e do céu. E dizes-me que não sabes porque não sabes a origem das palavras do marinheiro. E ficamos suspensos no barco, em silêncio, procurando nele a origem de todas as palavras. Até que uma sereia viva passe e nos leve de volta para a praia a tempo do desejo da primeira estrela ou de um qualquer cometa-sereia que nos leve para outra praia distante, perto das muitas estrelas que entretanto nascem embora digam que já nasceram há muito. E levo comigo todas essas histórias até ao pôr do sol do outro dia, quando me apareces sempre, vestido de mar ou de estrelas, tanto faz.
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