quinta-feira, 28 de março de 2019
Em vez disso
Estive mesmo, mesmo para escrever um poema mas em vez disso fui fazer um arranjo de flores porque só onde não há tempo nem espaço o arranjo de flores é igual à poesia. Isto das flores deve-se ao ovo. O ovo que contém a gema e a clara e no qual as crianças desenham cabeças sorridentes pela Páscoa. Quando fui às flores tropecei num coelho que por ali estava e lembrei-me que era Primavera. Depois, no jardim, lembraram-me dessa história do ovo. O caminho de volta serve sempre para juntar as coisas na nossa cabeça. E pensei, a sério que pensei escrever um poema. Um poema que abanasse o gnósticos que herdaram os defeitos todos dos gregos e dos romanos depois do que ouvi no jardim. Mas não quis. Não vale a pena falar do paraíso e do quanto de infernal há para além da cerca que o cerca com caracóis, lentos e babados a trepar por ela. Antes fazer um arranjo de flores do que me chatear com os ordinários dos gnósticos que apregoam raminhos de violeta, com os pés descalços numa eterna pobreza que se sobrealimenta a si própria. Depois do que ouvi, da cabeça desenhada por crianças no ovo, peguei nas margaridas, cor de tijolo e amarelo torrado e cortei-lhes as pontas dos caules para poderem beber água fresca, tirei-lhes as folhas de baixo para não ficarem a nadar em água e coloquei-as numa jarra vertical. As pontas dos caules são cortadas quando estão secas ganhando uma nova raíz se misturadas com terra e as folhas não devem ficar inundadas em lágrimas. Mas isto é uma linguagem inacessível ao gnosticismo. Os gnósticos detestam flores. E adoram ser venerados em vez delas. São incapazes de perceber quando uma raiz está seca. São incapazes de as fazer rejuvenescer. Não admira que estejam mal. E maldispostos também. O arranjo ficou lindo.
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