segunda-feira, 11 de março de 2019

Piratas no nevoeiro



Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida,
O favor com quem mais se acenda o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.
 
Dos Os Lusíadas, X, 145 de Camões
 
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
 
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
 
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!

Da Mensagem de Fernando Pessoa

Das boca das sibilas:

Dalila Pereira da Costa: “Vai ter que ser feito um grande esforço para não se entrar em depressão neste momento da História.”
Natália Correia, pouco tempo antes de morrer: “Estão para chegar tempos muito feios."

Da constatação à profecia, o mesmo passo. O mesmo momento. Só os tolos são capazes de rir e não sentem a Saudade. Saudade? Já ninguém diz a palavra. E quem não a diz é o tolo que ri. Todos os que a dizem choram porque são feitos dessa palavra e ninguém os chama pelo nome, ninguém os sabe, ninguém os quer. Se juntarmos as ideias dos dois poetas e das duas sibilas temos Portugal composto por piratas tristes, feios, vis e deprimidos e perdidos no nevoeiro. O espelho funde-se com a imagem. Os piratas são e estão longe da Saudade. Longe do outro lado de si. No entanto, gritam de entusiasmo, erguem a espada pendurados no mastro, cantam a vitória do que não são, levam o barco num rumo que não sabem. Não dão pelas estrelas. Não dão pelo sol nascente. Não dão pelas ilhas. Trincam moedas e deixam cadáveres no túmulo do mar.

 

 

 

 

 


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