quarta-feira, 13 de março de 2019
A classe social
Catarina tem 11 anos e está a dar em História e Geografia de Portugal as classes sociais da Idade Média. Parou de ouvir-me a explicar-lhe o funcionamento da sociedade naquela época e disse-me que eu era do clero porque estava sempre a estudar. Dei uma gargalhada e disse-lhe que não tinha vocação para ser freira (penso que as freiras nem estudam, ou estudam sempre o mesmo o que vai dar no mesmo). Mas aquilo ficou a remoer na sua cabecinha e quando fiz revisões da matéria antes do teste, voltou à carga:
- Cynthia, se eu e tu vivêssemos naquela época de que classe éramos?
- Bem, Catarina, lamento dizer-te mas nós as duas, a tua mãe, os teus professores, o Primeiro-ministro e o Presidente da República, somos todos povo.
Cruzou os braços indignada e com um olhar baralhado disse:
- Mas eu não me sinto do povo.
- Mas és, e eu também. Povo mais povo não há - disse eu a rir.
- Já não há nobreza?
- Ainda há mas está desactivada.
- Porquê?
- Porque somos uma República. Não temos Rei e é o Rei que "faz" os nobres.
Ela percebeu o que queria dizer porque junto à Família Real estavam sempre os nobres e já sabia o que era um "título".
- Mas, Catarina, a pergunta que fizeste é muito inteligente. E na verdade, a classe social é interior. Está dentro de ti, já que não pode estar à tua volta... Já vi povo com muito mais nobreza nos comportamentos do que nobres com título (quis dizer-lhe que era mais por isso que os nobres estavam desactivados mas achei que era demais).
Bem os nobres estão desactivados e o Rei está algures no nevoeiro. Penso que a República não convence esta criança. Mas convence muito adultos. Todos do povo, claro. A nobreza não tem de ser convencida. Há o "está-se" e há o "é-se", e a Catarina sabe isso muito bem. Há muitos adultos que não sabem. Ou se sabem, nada fazem para fazer coincidir o estar com o ser. São as tais rectas paralelas que nunca se encontram.
Não, não, o inglês não é exemplo, "to be" nunca sofreu sequer separação, nunca foi duas rectas paralelas, por isso não conhece a distância que as separa e o milagre que as une um dia. É uma pequena grande diferença. Isto para quem quiser entender. A Catarina tem onze anos e já entendeu e já sofreu na pele e no coração a exactidão da língua portuguesa. A língua portuguesa é para sofrer na pele e no coração, se não for, para nada serve. Esse é um dos elementos iniciáticos em Portugal. Vive na própria língua. Pulsa nela. E é como tudo, ou se vive a língua portuguesa ou se é americano ou inglês. E há por aí tantos que preferem a língua e o imaginário anglo-saxónicos. Portugal, passa-lhes pelas mãos como água e não se retém... bem como tudo o que ele tem para transmitir. Escolhas...
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