"Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes."
Álvaro de Campos
in Poema "Opiário"
O interesse de um estrangeiro pela obra de Pessoa, é muitas vezes, produto do que na sua obra existe de Universal. Quando falamos de Universal, dizemos, aquilo que pode ser comum ao pensamento humano onde quer que ele se encontre. Quem começa a ler o poeta pelo seu carácter Universal encontra-se difundido, disperso e também abrangente e abrangido pelos raios que se difundem a partir de um centro. Dizer que Fernando Pessoa não é Português, é Universal, faria o poeta rir e talvez o levasse a repetir a célebre frase de sua autoria: "Um português que só é Português, não é Português".
Se "A minha pátria é a língua portuguesa", frase, também, do poeta, encontramo-nos irremediavelmente num centro. Um centro a partir do qual se faz a Descoberta, a circum-navegação...
Para se ser universal há que, primeiro tentar ser, só em seguida se é Universal. Foi exactamente isso que sucedeu a Portugal e, também, a Fernando Pessoa. Só com o território constituído de Norte a Sul, as fronteiras definidas e uma relativa ordem interna é que se iniciou a Demanda. O movimento não foi ao contrário. Embora, com graça, Agostinho da Silva tenha dito que nós tivemos de fazer todo o esforço para descobrir os outros enquanto os outros se limitaram a ficar no mesmo lugar, sem esforço, para nos descobrir a nós, com toda a graça e sabedoria que este pensamento de Agostinho contém, a realidade é que aquilo que marca a Iniciação, como ensina a Tradição, não é a passividade, mas sim, o movimento. Para haver movimento, há sempre um local onde ele tem início. Assim, agradará a um estrangeiro a Universalidade de Pessoa, mais até do que a sua Portugalidade, no entanto, a relação do poeta com a língua portuguesa, sua pátria, é incontornável. Como foi demonstrado pelo poeta, é diferente o acto de se pensar em Português do acto de se pensar em Inglês ou em qualquer outra língua. O timbre da língua define o temperamento do ser. É exactamente esse temperamento o responsável pela Demanda e pela Universalidade. Um português entende de maneira diferente Pessoa, porque o entende de dentro para fora, um Inglês, ou qualquer outro habitante do planeta que não fale a língua portuguesa ou não esteja imbuído da sua cultura, entenderá, com todo o agrado do mundo, a sua universalidade, num movimento que vem de fora para dentro. Seria caso para se dizer: um cidadão do mundo que só é Universal e não é Português, então não é Universal. Daí a complexidade da questão e que se prende directamente com o facto de Portugal ser um país iniciático, em si e por si. Um budista sorrirá satisfeito com a Universalidade do poeta, a diluição almejada no todo. O problema é quando se toma isso como princípio e não como fim, ou seja, é necessário primeiro aprender Portugal, para depois se aprender o Universo e não o contrário. É por isso que qualquer saloio pode dizer: "venha cá, porque tudo o que aprendeu até agora, vai desaprender". E não mentimos porque ouvimos isto da boca de um saloio. Quando se parte da Universalidade e se é de outro país, muito provavelmente, existe uma qualquer característica nesse povo de origem, que incita à Universalidade como Ideia, à qual se acaba por aderir como se adere a uma Ideia. Mas a Ideia de Universo não é o Universo em si. Para que haja o Universo em si, há que desaprender a Ideia que temos daquilo que somos como Portugueses e aprender a ser Portugueses, em seguida, para que a Universalidade que existe em embrião dentro de cada Português, (que o seja, de facto, com o território em relativa ordem) possa eclodir. Como, aliás, Fernando Pessoa, teve de o fazer, re-descobrindo a língua portuguesa, vindo da África do Sul. Desaprendeu o que era, re-aprendeu a língua e foi raptado e adoptado por essa mesma língua que o iniciou pela vida fora. Há um reconhecimento da pátria daqueles que são seus, porque a Pátria, como se diz pelos corredores de quem anda pela Portugalidade, é um "ente", um ser vivo. Absolutamente vivo.
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