sábado, 9 de março de 2019

Da selectividade


Numa recente carta escrita com dedos efervescentes, aqueles dedos de fogo de que nos fala António Telmo numa das suas visões (ficam alguns muitos chocados com o "excessivo" misticismo do filósofo.. ), ou as mesmas mãos de que nos fala uma das personagens da peça de teatro de Fernando Pessoa "O Marinheiro" (cujo misticísmo nunca é "demais" para os mesmos que criticam António Telmo nesse aspecto, enfim, critérios...), peça na qual, a páginas tantas, diz a personagem "tenho medo das minhas mãos", ou as mesmas  mãos que foram pintadas por Margarida Cepêda numa pintura que se encontra numa colecção particular e alusiva ao Império do Espírito Santo, esses dedos de fogo, efervescentes, motivo de fascínio e temor, foram aqueles com que escrevi essa carta. Dizia ela mais ou menos isto:
A determinada altura percebi como devia ser um meu comportamento na vossa companhia. Ele varia ao longo de três vértices de um triângulo: bom comportamento, conversas de circunstância, silêncio. Se estiver assim entre vós tudo corre bem. Mas, na simultaneamente, a minha alma não estará convosco. Não terão uma gargalhada. Os meus olhos não brilharão. O espírito não estará lá.
Isto é ser selectivo e, desde que me tornei ainda mais do que o era, muitos se ofendem. Mas ofendem-se de qualquer forma, com alma ou sem ela. O seu estado é sempre o de ofendido . Porque ouve um "antes" e um "depois" com eles e da mesma forma, no antes e no depois, houve desagrado. Sem saberem eles é que seleccionaram: não suportar a alma e não quererem a ausência dela.

A diferença entre a hipócrisia e a  selectividade é a diferença entre o vinagre normal e o vinagre balsâmico. O primeiro acaba por magoar o segundo deixa um aroma sugestivo, um agridoce, um desafio, uma porta entreaberta. Uma verdadeira alegria.

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