quinta-feira, 21 de março de 2019

A música das esferas



Não me fales mais pelo silêncio
Porque o meu preenche todos os espaços
E não necessito do teu
Por mais que queiras falar pelo silêncio
Não espero outra coisa que não seja a tua voz
Cansei-me dos teus olhos
Do teu cabelo
Do teu medo
Não silencies porque o universo
Não quer saber do teu silêncio para nada
Nem eu, que sou todo o universo
As vozes passaram a ser música
Aquelas da música tradicional
Quando a voz do povo se solta
E o Universo faz uma vénia
Se silencias o universo silencia
Não quer saber das tuas leituras
Dos teus "acho que" silenciosos
Das tuas manias encurraladas no tempo
Só tu podes mudar o tom do teu silêncio
Fazendo-o falar
De nada serve que não queiras
Ou que não possas
Não é a mim que o Universo despreza
É a ti, nessa solidão silenciosa embasbacada
Só porque alguém te a ordenou
Não dou a mão aos silêncios
Tenho em mim todo o silêncio do Universo
E não quero mais, quero esquecê-lo
Como se tivesse andando mil anos
Numa nave, pelo espaço
As estrelas só me encantam
Quando as ouço
E a sinfonia do sol
Não se compara ao silêncio negro
A cobrir a existência de todos nós
A fatia da realidade mais colorida
É a mais colorida fatia da realidade
E nada mais há para além disso
Um simples som
E o Universo responde
Com um acorde acima
Num crescendo que não se sabe
Onde vai parar
Já ouviste, de facto, a música das esferas?
Temo que Pitágoras quisesse dizer mais
Do que comummente se diz que ele disse
Se lhe tirarmos a geometria, fica a alma 
E é essa que nasce da geometria
Em forma de música
Vês como o teu silêncio para nada serve?
O teu silêncio é geométrico e frio
Como a arquitectura moderna
Nem o universo é assim, nem eu
O teu silêncio é o embaraço da palavra
A nave vazia pelo espaço
Um sem número de máscaras todas iguais
Um fragmento de um papiro mal lido
O sal a mais na textura da vida
O cardume perdido e disperso
O maior logro para ti mesmo
Sabe-se lá onde vão parar as palavras ditas
Mas não param nem se detêm no silêncios
Que só querem saber de si
A metafísica? Está na física. 
A metafísica da metafísica não existe
E andas fardado de metafísica sendo metafísico?
Não existes. És só silêncio. 
Sou o universo e estou por todo lado, até na metafísica que julgas chamar
Pelo silêncio.
Não fales pelo silêncio. 
Ele é demasiado grande para ti
E, mais tarde, abater-se-á sobre ti
Como o céu se abate sobre os néscios
E tu te abaterás sobre ele, néscio mudo
O teu silêncio é vago demais para a minha verdade. 

(Cynthia Guimarães Taveira)




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